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O MARKETING NEGATIVO
RECUSA RADICAL E DATADA DAS FORÇAS DO SISTEMA
FAZ DO PUNK, HOJE, UMA INESPERADA FORÇA
QUE SE CONTRAPÕE À UNIFORMIDADE DA GLOBALIZAÇÃO
JANICE CAIAFA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Na sua avassaladora passagem pelo mundo, o punk
desafiou imperativos, riu
da satisfação adaptada de
muitos e afirmou uma intransigência absolutamente -na música, na
roupa e sobretudo na atitude. Tanto
na época de seu surgimento, em
1976/ 77, quanto no levante dos anos
1980, o punk aguçou o rock. Ele
criou um som completamente exasperante, atritante, que não queria ser
vendável.
O punk é o antimarketing. Garotos
e garotas do mundo inteiro vestiam
negro, se furavam, redesenhando os
contornos no corpo humano. Explodiam assim em mil devires (devir-andróide, devir-animal) -ou
seja, virando outras coisas, arrebentando as identidades, se colocando
onde não era possível pegá-los.
Certo é que sempre houve os "poseurs" -ou, como se dizia entre os
punks do Rio de Janeiro, os "boys",
os burgueses posando de punks. A
luta de fato era clara -é assim o
punk- contra as tentativas de encaixe, de captura, de neutralização
da radicalidade punk. As configurações locais foram diversas, mas predominava no punk em geral a atitude de estabelecer distâncias, definições, preservando a radicalidade, fazendo ver que há um inimigo.
Estratégias de resistência
O "não" era claro -à banalização
operada pela mídia, à comercialização, ao "sistema", à moda que uniformiza. Parecem estratégias em desuso. De fato, hoje enfrentamos poderes que parecem antes de tudo
proporcionar e premiar -evasivos,
ondulantes, se furtam à mira do
"não". Responda à TV interativa, cadastre-se neste site, participe da hoste alegre dos consumidores. Nada de
dissídio trabalhista, os patrões agora
chegam até seus empregados,
abrem-se para sua participação e se
ocupam mesmo da questão social.
O poder hoje nos incita constantemente a nos inscrever em seus repertórios, aparentemente para nossa vantagem.
Nesse contexto em que tudo se
confunde, ceder e compor viram até
estratégias de resistência.
Ora, tudo iSso poderia, paradoxalmente, nos levar a invocar a atitude
punk. Tão inatual, mas talvez por isto mesmo eficaz e criadora neste
momento -justamente por não ter
passado para a atualidade, por sua
alteridade em relação a nosso presente. "Punk is not dead?" [O punk
não está morto?].
Haveria talvez o aproveitamento
desse empenho tão grande que produziu tantos acontecimentos. São
conquistas que talvez possam repercutir hoje de várias formas -mesmo que produzir atrito nessa superfície ondulante e complacente do
poder seja tão difícil. O punk sempre
proclamou um "sem futuro", como
uma estrela que extraísse luz de seu
desaparecimento.
Janice Caiafa é antropóloga, poeta e professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autora de, entre outros, "Ouro" (7Letras) e "Movimento Punk na Cidade - A Invasão dos
Bandos Sub" (Jorge Zahar).
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