São Paulo, domingo, 19 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NOVO LIVRO É ERUDITO AO ESTILO POP

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não parece exato adotar um critério literário como "estilo" para definir os livros de Nick Hornby. Talvez a expressão mais propícia seja "marca registrada" ou até mesmo "selo de qualidade", porém é certo que esta última provoque controvérsias.
Em "Uma Longa Queda" [editora Rocco, tradução de Antonio E. de Moura Filho, 304 págs., R$ 38], seu quarto romance, temos mais do mesmo padrão ISO 9000 de análise irônica das relações contemporâneas criado pelo autor britânico, com mais ênfase nas diferenças comportamentais entre homens e mulheres, assim como colocado em funcionamento em "Alta Fidelidade", a sua aparição inaugural.
Numa gélida noite de réveillon, quatro suicidas se encontram no terraço do Topper's House, edifício londrino celebrizado não por lançar fogos de artifício às vésperas do ano novo, mas corpos de pessoas insatisfeitas em passar de ano e dispostas a passar desta para melhor.
Um deles é o histriônico apresentador de TV Martin Sharp, demolido pelos tablóides sensacionalistas devido ao seu envolvimento sexual com uma garota de 15 anos. Os outros são Jess, adolescente porra-louca de língua irrefreável e origem surpreendente, J.J., um entregador de pizza e "rockstar" gorado, além de Maureen, cinzenta dona-de-casa e mãe de Mattie, garoto com deficiência congênita que permanecerá por toda a vida em estado vegetativo.
Disposta a cena e descontado o inusitado do conjunto, o que mais se evidencia (como sempre) é o talento de Hornby para atribuir verossimilhança aos seus personagens por meio de diálogos tocantes e engraçados. Intercalando monólogos de cada um dos suicidas com conversas entre eles, percebemos os motivos (ora levianos, ora trágicos) que os levaram ao topo de um prédio numa noite tão festiva.
E do engessamento narrativo a que o esquete (semelhante aos de programas de humor -negro, neste caso) poderia conduzir, o autor extrai sua maior conquista: uma poderosa fluência que, sem contratempos, dirige o leitor à última página.

Verve cinematográfica
Tal proficiência de Hornby não deveria ser salientada. Afinal, o que se poderia esperar de um escritor a não ser competência em exercer as artimanhas de seu ofício? Porém neste caso sempre vem à lembrança sua vocação cinematográfica. E não seria despropósito lembrar que na compreensão crítica da literatura nem sempre a proximidade com formas narrativas visuais é vista com bons olhos, e, quando o autor ainda tem a mania de misturar à purista matéria-prima literária ingredientes colhidos na baixa cultura, fica fácil rotular: temos mais um representante da superficial literatura "pop".
E, afinal, temos o xis da questão: a linguagem de Hornby é feita da coloquialidade desejável para uma obra de entretenimento de alcance, porém nem sempre o tempero de referências pop de suas histórias faz com que essa premissa deixe de ser apenas possibilidade, tornando "Uma Longa Queda" leitura endereçada aos familiarizados com quase tudo o que ocorre hoje no mundo.
Espécie de Camus maneirista a espezinhar desmazelos da vida social contemporânea, Nick Hornby sugere que a informação pop também exige sua erudição.


Joca Reiners Terron é escritor, autor de "Hotel Hell" (Livros do Mal), entre outros.


Texto Anterior: O punk ontem e hoje
Próximo Texto: Inédito - de Robert Louis Stevenson
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.