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NOVO LIVRO É ERUDITO AO ESTILO POP
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não parece exato adotar um
critério literário como "estilo" para definir os livros
de Nick Hornby. Talvez a
expressão mais propícia seja "marca
registrada" ou até mesmo "selo de
qualidade", porém é certo que esta
última provoque controvérsias.
Em "Uma Longa Queda" [editora
Rocco, tradução de Antonio E. de
Moura Filho, 304 págs., R$ 38], seu
quarto romance, temos mais do
mesmo padrão ISO 9000 de análise
irônica das relações contemporâneas criado pelo autor britânico,
com mais ênfase nas diferenças
comportamentais entre homens e
mulheres, assim como colocado em
funcionamento em "Alta Fidelidade", a sua aparição inaugural.
Numa gélida noite de réveillon,
quatro suicidas se encontram no terraço do Topper's House, edifício
londrino celebrizado não por lançar
fogos de artifício às vésperas do ano
novo, mas corpos de pessoas insatisfeitas em passar de ano e dispostas a
passar desta para melhor.
Um deles é o histriônico apresentador de TV Martin Sharp, demolido
pelos tablóides sensacionalistas devido ao seu envolvimento sexual
com uma garota de 15 anos. Os outros são Jess, adolescente porra-louca de língua irrefreável e origem surpreendente, J.J., um entregador de
pizza e "rockstar" gorado, além de
Maureen, cinzenta dona-de-casa e
mãe de Mattie, garoto com deficiência congênita que permanecerá por
toda a vida em estado vegetativo.
Disposta a cena e descontado o
inusitado do conjunto, o que mais se
evidencia (como sempre) é o talento
de Hornby para atribuir verossimilhança aos seus personagens por
meio de diálogos tocantes e engraçados. Intercalando monólogos de cada um dos suicidas com conversas
entre eles, percebemos os motivos
(ora levianos, ora trágicos) que os levaram ao topo de um prédio numa
noite tão festiva.
E do engessamento narrativo a que
o esquete (semelhante aos de programas de humor -negro, neste caso) poderia conduzir, o autor extrai
sua maior conquista: uma poderosa
fluência que, sem contratempos, dirige o leitor à última página.
Verve cinematográfica
Tal proficiência de Hornby não deveria ser salientada. Afinal, o que se
poderia esperar de um escritor a não
ser competência em exercer as artimanhas de seu ofício? Porém neste
caso sempre vem à lembrança sua
vocação cinematográfica. E não seria despropósito lembrar que na
compreensão crítica da literatura
nem sempre a proximidade com
formas narrativas visuais é vista com
bons olhos, e, quando o autor ainda
tem a mania de misturar à purista
matéria-prima literária ingredientes
colhidos na baixa cultura, fica fácil
rotular: temos mais um representante da superficial literatura "pop".
E, afinal, temos o xis da questão: a
linguagem de Hornby é feita da coloquialidade desejável para uma obra
de entretenimento de alcance, porém nem sempre o tempero de referências pop de suas histórias faz com
que essa premissa deixe de ser apenas possibilidade, tornando "Uma
Longa Queda" leitura endereçada
aos familiarizados com quase tudo o
que ocorre hoje no mundo.
Espécie de Camus maneirista a espezinhar desmazelos da vida social
contemporânea, Nick Hornby sugere que a informação pop também
exige sua erudição.
Joca Reiners Terron é escritor, autor de
"Hotel Hell" (Livros do Mal), entre outros.
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