São Paulo, domingo, 19 de março de 2006

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Obra capital de Proust sai em árabe

Tradução de "Em Busca do Tempo Perdido" durou 29 anos e envolveu 3 países

GAMAL GHITANY

Tendo sempre temido a idéia de ter que deixar este mundo antes de ter podido ler "Em Busca do Tempo Perdido" inteiro, me sinto tranqüilizado, agora que o texto finalmente está disponível em árabe. Foram necessários ao todo 29 anos e os esforços conjugados de três países para levar esse empreendimento a cabo.
O romance de Marcel Proust (1871-1922) foi mencionado pela primeira vez no Egito em 1945, pela revista "L'Écrivain Égyptien" ("Al Katib al Masri"), fundada pelo arcano das letras que foi Taha Hussein. Nos anos seguintes, os intelectuais egípcios e árabes que não liam o francês puderam familiarizar-se com o romance, mesmo assim por meio de artigos e obras de crítica literária publicados em árabe.
A história da tradução de "Em Busca do Tempo Perdido" começou em 1977, com o lançamento na Síria de "O Caminho de Swann". Essa primeira parte do romance foi traduzida por Elias Badiwi, um tradutor emérito que conseguira conquistar o apoio da ministra da Cultura síria da época, Najah al Attar. Seguiram-se "À Sombra das Raparigas em Flor", em 1979, e, em 1980, "O Caminho de Guermantes".

Interrupção prolongada
Em seguida, o projeto foi interrompido por longo tempo, devido à falta de recursos. Vendo que a publicação das duas partes restantes estava demorando a acontecer, o Centro Nacional do Livro (CNL) francês, por meio do programa de apoio à edição (batizado de Taha Hussein) que mantém através da embaixada francesa no Cairo, decidiu retomar a seu cargo a publicação de uma edição egípcia integral. Para isso, as três partes que já tinham sido publicadas ganharam uma reedição, lançada em Damasco, em 1994.
Decidiu-se que a parte seguinte da tradução sairia no Egito, seguindo o ritmo do trabalho de Elias Badiwi. Infelizmente, embora o trabalho que ele concluiu tenha sido editado no Cairo ("Sodoma e Gomorra", em 1998, e "A Prisioneira", em 2001), a publicação, para o tradutor, foi póstuma: ele morreu em 1997.
Foi um erudito sírio especializado em literatura francesa, o professor Jamal Cheyahed, quem tomou a seu cargo a seqüência do trabalho, responsabilizando-se pela tradução dos volumes restantes, "Albertine Desaparecida", em 2003, e "O Tempo Redescoberto", alguns meses atrás.
Assim, a íntegra de "Em Busca do Tempo Perdido" já está disponível em árabe. Trata-se de um acontecimento importante que o "Les Nouvelles Littéraires" ("Akhbar al Adab"), o único periódico literário do mundo árabe, comemorou com um número especial dedicado a Proust e a sua influência na literatura árabe. Excetuando os amantes da França, especialmente os professores de literatura francesa, conheço apenas um intelectual egípcio que, antes disso, tenha lido "Em Busca do Tempo Perdido" na íntegra: Naguib Mahfouz, que o leu muito cedo -em inglês.
A história é bastante engraçada: em 1948, confrontado com a decisão inopinada de transferi-lo do cargo que ocupava num gabinete ministerial, Mahfouz se viu encarregado da conservação de um prédio da parte antiga do Cairo, que datava do século 16: o domo do sultão Ghouri.
Enquanto se perguntava como iria passar o tempo, qual não foi sua surpresa ao encontrar, nos recônditos do edifício, uma biblioteca rica da qual fazia parte justamente essa versão inglesa de "Em Busca do Tempo Perdido". Mahfouz mergulhou imediatamente na leitura, saboreando-a como se fosse uma coletânea de poemas, lendo certo número de páginas por dia. De acordo com ele, foi uma leitura inesquecível e que lhe deixaria marcas profundas.

Proust no Brasil
"Em Busca do Tempo Perdido":
R$ 149,00 (a caixa), tradução de Fernando Py, Ediouro (tel. 0/xx/21/ 3882-8200); ou em sete volumes (de R$ 20,50 a R$ 35,00 o volume), vários tradutores, ed. Globo (tel. 0/xx/ 11/ 3362-2000).


Este texto foi publicado no "Le Monde".
Tradução de Clara Allain.


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