São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009

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A indústria da forma

FRANK LLOYD WRIGHT, MORTO HÁ 50 ANOS, E A BAUHAUS, CRIADA HÁ 90 ANOS, REDEFINIRAM O DESIGN E A ARQUITETURA DO SÉCULO 20

EUCLIDES SANTOS MENDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Dos materiais aos conceitos que determinaram o surgimento da arquitetura moderna, o norte-americano Frank Lloyd Wright e os alemães da Bauhaus -encabeçados por Walter Gropius- tiveram papel de destaque em sua renovação, em meio à cultura industrial em ascensão nas primeiras décadas do século 20.
Em entrevista à Folha, o professor do departamento de arquitetura e urbanismo na USP, em São Carlos, Luiz Recamán explica que Lloyd Wright é responsável por algumas das conquistas definitivas da arquitetura no século 20, como a ruptura com as formas tradicionais e a relação entre espaço construído e paisagem.
A Bauhaus, por sua vez, vinculava, segundo Recamán, "indústria e artesanato, artes e ofícios, até a sua configuração definitiva, que aproximava essa escola da indústria alemã e da produção serial".
Recamán também fala da contribuição fundamental desses dois símbolos modernistas na formação da arquitetura contemporânea.

 

FOLHA - Qual é o legado de Lloyd Wright para a arquitetura hoje?
LUIZ RECAMÁN
- Um dos mestres da arquitetura moderna, ele desenvolveu uma obra original na qual enfrentou os dilemas da modernização norte-americana e a tentativa de constituir uma civilização de massa, moderna e democrática.
A ruptura com o espaço da tradição, em sua nova configuração moderna, contínua e infinita, e a relação da arquitetura com a paisagem foram conquistas definitivas para a arquitetura do século 20.
Pode-se destacar a grande relação que estabeleceu entre a arquitetura e a existência concreta das formas da vida social.

FOLHA - "O importante é a vida cotidiana": como essa frase de Lloyd Wright reflete sua percepção sobre como deve ser a arquitetura?
RECAMÁN
- Sua arquitetura pretendia ser o abrigo das relações humanas, entendidas como o enfrentamento direto com o ambiente -que, no caso dos EUA, deveria ser instaurado.
Família, comunidade e trabalho criariam o sentido da existência em um mundo moderno a ser construído, ao mesmo tempo livre da tradição e preservado dos impulsos alienantes e de abstração da sociedade de massas.

FOLHA - A "honestidade" -isto é, o uso explícito de materiais disponíveis- e a "simplicidade" -construções sem muitos detalhes vistosos-, palavras de peso dos arquitetos e críticos de vanguarda do modernismo, também nortearam o trabalho de Lloyd Wright?
RECAMÁN
- Parcialmente, já que essa intensificação do sentido do espaço não poderia abrir mão de certa sobrecarga simbólica da matéria, ainda que livre dos estilos históricos.
Então, a pureza dos materiais implicava seu significado humano e cultural alcançado nesse isolamento violento do homem americano em uma natureza adversa.
Pedra, madeira e tijolo não poderiam ser aliviados de sua carga experiencial. De maneira contrária, a vanguarda europeia se empenhou, por motivos vários, na "dessemantização" das formas na arquitetura, procurando sua racionalidade construtiva objetiva, sua funcionalidade programática e uma sensibilidade abstrata do espaço.

FOLHA - Em artigo de 1901, "Arte e Ofício da Máquina", Lloyd Wright diz que "o único futuro da arte e do ofício está na máquina". A Bauhaus propunha, por sua vez, uma interação entre arte e indústria. De que maneira a arquitetura teve sua face alterada pela entrada das máquinas em ação na vida cotidiana?
RECAMÁN
- Mesmo percebendo o sentido transformador da civilização da máquina, Lloyd Wright pretendeu atrelar à manufatura um sentido criativo, próximo das "artes e ofícios" da virada do século na Europa. Isso pode soar estranho hoj
e, mas a coincidência plena entre indústria e standard é um fenômeno do século 20, a partir do fordismo. Esse debate (entre "tipo" e "unidade") esteve presente na Bauhaus até 1923, quando o produto em série passa a ser seu objetivo principal.
Essa "guinada" marcou definitivamente a arquitetura moderna, que passou a ser então a elaboração da "célula" e sua articulação no território neutro (tábula rasa), até a grande crise dos anos 1930.

FOLHA - Como se expressava, na Bauhaus, o gosto radical do seu fundador Walter Gropius?
RECAMÁN
- Gropius formulou as principais teses da Bauhaus desde sua origem, que vinculava indústria e artesanato, artes e ofícios, até a sua configuração definitiva, que aproximava essa escola da indústria alemã e da produção serial, no contexto de crise política dos anos 1920.

FOLHA - Como dois dos maiores símbolos da arquitetura moderna no século 20 (Lloyd Wright, nos EUA, e a Bauhaus, na Alemanha) se influenciaram mutuamente?
RECAMÁN
- A conquista da espacialidade moderna na arte e arquitetura se deu no início do século 20 pelas vanguardas europeias e pelas experiências de Wright das "casas de pradaria".
Mas, se essa liberação do "espaço da tradição" foi como que simultânea e pode ser detectada uma influência mútua (como é o caso do neoplasticismo e de Mies van der Rohe), deve-se considerar uma grande diferença entre os construtos.
Pois o "eixo" wrightiano, pelo qual orbitavam os espaços da casa, possuía um sentido instaurador da nova significação da natureza pelos pioneiros americanos -elemento inexistente na configuração moderna europeia.

FOLHA - Quem teve mais influência sobre a arquitetura brasileira: Lloyd Wright ou a Bauhaus?
RECAMÁN
- A grande influência na arquitetura moderna brasileira foi [o arquiteto suíço] Le Corbusier, por motivos que não podem ser discutidos aqui.
A ênfase habitacional e "social" da Bauhaus não fazia, e continua não fazendo, muito sentido no nosso processo de modernização. Seu "racionalismo frio e europeu", determinado pela aceleração fordista, não poderia ser transportado para o Brasil moderno.
Quanto a Wright, sua influência é indireta, já que o espírito instaurador e ilimitado da ocupação pioneira é de outra ordem no sistema colonizador brasileiro.
Mas, sem dúvida, a necessidade de criar espaços a partir do nada -territorial, simbólico e social- deve ser uma angústia que compartilhamos.
A mais importante aproximação foi com a obra de Vilanova Artigas [1915-85; projetou o prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, onde ensinou], na conformação do amplo espaço de uma sociabilidade que deveria ser inaugurada em ambiente hostil (no caso de Wright, a vastidão do território e das pradarias; no caso de Artigas, a iniqüidade das nossas cidades).


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