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A indústria da forma
FRANK LLOYD WRIGHT, MORTO HÁ 50 ANOS, E A BAUHAUS,
CRIADA HÁ 90 ANOS, REDEFINIRAM O DESIGN E A ARQUITETURA DO SÉCULO 20
EUCLIDES SANTOS MENDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Dos materiais aos
conceitos que determinaram o surgimento da arquitetura moderna, o
norte-americano Frank Lloyd
Wright e os alemães da Bauhaus -encabeçados por Walter
Gropius- tiveram papel de
destaque em sua renovação,
em meio à cultura industrial
em ascensão nas primeiras décadas do século 20.
Em entrevista à Folha, o
professor do departamento de
arquitetura e urbanismo na
USP, em São Carlos, Luiz Recamán explica que Lloyd Wright
é responsável por algumas das
conquistas definitivas da arquitetura no século 20, como a
ruptura com as formas tradicionais e a relação entre espaço
construído e paisagem.
A Bauhaus, por sua vez, vinculava, segundo Recamán, "indústria e artesanato, artes e ofícios, até a sua configuração definitiva, que aproximava essa
escola da indústria alemã e da
produção serial".
Recamán também fala da
contribuição fundamental desses dois símbolos modernistas
na formação da arquitetura
contemporânea.
FOLHA - Qual é o legado de Lloyd
Wright para a arquitetura hoje?
LUIZ RECAMÁN - Um dos mestres
da arquitetura moderna, ele desenvolveu uma obra original na
qual enfrentou os dilemas da
modernização norte-americana e a tentativa de constituir
uma civilização de massa, moderna e democrática.
A ruptura com o espaço da
tradição, em sua nova configuração moderna, contínua e infinita, e a relação da arquitetura
com a paisagem foram conquistas definitivas para a arquitetura do século 20.
Pode-se destacar a grande relação que estabeleceu entre a
arquitetura e a existência concreta das formas da vida social.
FOLHA - "O importante é a vida cotidiana": como essa frase de Lloyd
Wright reflete sua percepção sobre
como deve ser a arquitetura?
RECAMÁN - Sua arquitetura pretendia ser o abrigo das relações
humanas, entendidas como o
enfrentamento direto com o
ambiente -que, no caso dos
EUA, deveria ser instaurado.
Família, comunidade e trabalho criariam o sentido da
existência em um mundo moderno a ser construído, ao mesmo tempo livre da tradição e
preservado dos impulsos alienantes e de abstração da sociedade de massas.
FOLHA - A "honestidade" -isto é,
o uso explícito de materiais disponíveis- e a "simplicidade" -construções sem muitos detalhes vistosos-, palavras de peso dos arquitetos e críticos de vanguarda do modernismo, também nortearam o trabalho de Lloyd Wright?
RECAMÁN - Parcialmente, já
que essa intensificação do sentido do espaço não poderia
abrir mão de certa sobrecarga
simbólica da matéria, ainda que
livre dos estilos históricos.
Então, a pureza dos materiais implicava seu significado
humano e cultural alcançado
nesse isolamento violento do
homem americano em uma natureza adversa.
Pedra, madeira e tijolo não
poderiam ser aliviados de sua
carga experiencial.
De maneira contrária, a vanguarda europeia se empenhou,
por motivos vários, na "dessemantização" das formas na arquitetura, procurando sua racionalidade construtiva objetiva, sua funcionalidade programática e uma sensibilidade
abstrata do espaço.
FOLHA - Em artigo de 1901, "Arte e
Ofício da Máquina", Lloyd Wright
diz que "o único futuro da arte e do
ofício está na máquina". A Bauhaus
propunha, por sua vez, uma interação entre arte e indústria. De que
maneira a arquitetura teve sua face
alterada pela entrada das máquinas
em ação na vida cotidiana?
RECAMÁN - Mesmo percebendo
o sentido transformador da civilização da máquina, Lloyd
Wright pretendeu atrelar à manufatura um sentido criativo,
próximo das "artes e ofícios" da
virada do século na Europa.
Isso pode soar estranho hoj
e,
mas a coincidência plena entre
indústria e standard é um fenômeno do século 20, a partir do
fordismo. Esse debate (entre
"tipo" e "unidade") esteve presente na Bauhaus até 1923,
quando o produto em série passa a ser seu objetivo principal.
Essa "guinada" marcou definitivamente a arquitetura moderna, que passou a ser então a
elaboração da "célula" e sua articulação no território neutro
(tábula rasa), até a grande crise
dos anos 1930.
FOLHA - Como se expressava, na
Bauhaus, o gosto radical do seu fundador Walter Gropius?
RECAMÁN - Gropius formulou
as principais teses da Bauhaus
desde sua origem, que vinculava indústria e artesanato, artes
e ofícios, até a sua configuração
definitiva, que aproximava essa
escola da indústria alemã e da
produção serial, no contexto de
crise política dos anos 1920.
FOLHA - Como dois dos maiores
símbolos da arquitetura moderna
no século 20 (Lloyd Wright, nos EUA,
e a Bauhaus, na Alemanha) se influenciaram mutuamente?
RECAMÁN - A conquista da espacialidade moderna na arte e
arquitetura se deu no início do
século 20 pelas vanguardas europeias e pelas experiências de
Wright das "casas de pradaria".
Mas, se essa liberação do "espaço da tradição" foi como que
simultânea e pode ser detectada uma influência mútua (como é o caso do neoplasticismo e
de Mies van der Rohe), deve-se
considerar uma grande diferença entre os construtos.
Pois o "eixo" wrightiano, pelo
qual orbitavam os espaços da
casa, possuía um sentido instaurador da nova significação
da natureza pelos pioneiros
americanos -elemento inexistente na configuração moderna
europeia.
FOLHA - Quem teve mais influência sobre a arquitetura brasileira:
Lloyd Wright ou a Bauhaus?
RECAMÁN - A grande influência
na arquitetura moderna brasileira foi [o arquiteto suíço] Le
Corbusier, por motivos que não
podem ser discutidos aqui.
A ênfase habitacional e "social" da Bauhaus não fazia, e
continua não fazendo, muito
sentido no nosso processo de
modernização. Seu "racionalismo frio e europeu", determinado pela aceleração fordista, não
poderia ser transportado para o
Brasil moderno.
Quanto a Wright, sua influência é indireta, já que o espírito instaurador e ilimitado
da ocupação pioneira é de outra
ordem no sistema colonizador
brasileiro.
Mas, sem dúvida, a necessidade de criar espaços a partir
do nada -territorial, simbólico
e social- deve ser uma angústia que compartilhamos.
A mais importante aproximação foi com a obra de Vilanova Artigas [1915-85; projetou
o prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP,
onde ensinou], na conformação
do amplo espaço de uma sociabilidade que deveria ser inaugurada em ambiente hostil (no
caso de Wright, a vastidão do
território e das pradarias; no
caso de Artigas, a iniqüidade
das nossas cidades).
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