São Paulo, domingo, 19 de junho de 2005

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UNIDOS PELO GÊNERO, SEPARADOS NO DISCURSO

MIRIAN GOLDENBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em minhas pesquisas com indivíduos heterossexuais das camadas médias urbanas, identifiquei um novo modelo de masculinidade valorizado pelas mulheres: "o homem-gay". A Folha apontou este fenômeno em uma matéria que dizia: "Elas gostam de gays porque acham que eles não têm atitudes machistas, são mais sensíveis, se preocupam mais com a aparência, ouvem mais e são compreensivos, podem ser mais carinhosos e delicados na hora do sexo, são boa companhia na hora de fazer compras e não perdem tempo fazendo coisas como assistir a mesa-redonda de futebol".
Uso esse exemplo para mostrar como os gays, apesar de ainda sofrerem preconceito e discriminação, têm se tornado cada vez mais visíveis e valorizados positivamente. Sem dúvida, está ocorrendo uma importante mudança social, que pode ser percebida no enorme sucesso da Parada GLBT em São Paulo, no surgimento de personagens homossexuais não estereotipados nas novelas da Globo e na vitória do Big Brother Jean Wyllys.


A lésbica "se torna" lésbica. Já o gay acredita que "nasce" gay, como o homem heterossexual "nasce" infiel


O conceito de "imitação prestigiosa", de Marcel Mauss, ajuda a entender este fato. Ele diz que os indivíduos imitam atos, comportamentos e corpos que obtiveram êxito e que são bem sucedidos. Em nossa cultura, atores e celebridades são os indivíduos de sucesso a serem imitados.
Tenho observado, em meus estudos, outro fenômeno recente: os comportamentos de homens e mulheres heterossexuais estão cada vez mais próximos, mas os seus discursos não só reforçam como também criam as diferenças de gênero. Curiosamente, estas diferenças também se reproduzem nos discursos dos homossexuais, como pode ser observado nos dados do Datafolha.
A distância maior apareceu na questão sobre o que é o homossexualismo. Os gays responderam que é uma característica genética (57%), enquanto as lésbicas disseram que é uma opção sexual (46%). Os gays enfatizam a idéia de uma natureza biológica; as lésbicas a de uma escolha individual. Na questão sobre com quem tiveram a primeira relação sexual, os gays responderam que com uma pessoa do mesmo sexo (67%) e as lésbicas que com alguém de sexo diferente (61%). Respostas que sugerem que eles, desde o início de suas vidas sexuais, estavam geneticamente programados, enquanto elas mudaram de opção ao longo de suas trajetórias.
A idéia de uma natureza genética também aparece entre os heterossexuais da minha pesquisa, que justificam suas traições por meio da crença em uma predisposição masculina para a infidelidade. Parafraseando Simone de Beauvoir, que disse que "não se nasce mulher, torna-se mulher", pode-se pensar que a lésbica "se torna" lésbica. Já o gay acredita que "nasce" gay, como o homem heterossexual "nasce" infiel.
Ao serem perguntados sobre a legalização da união entre pessoas do mesmo sexo, 100% das lésbicas e 89% dos gays são a favor. Em relação à adoção de crianças por casais de homossexuais, 93% das lésbicas e 83% dos gays são favoráveis. Percebe-se nelas, mais do que neles, a valorização de uma vida familiar com filhos. Outras questões, como o número de parceiros sexuais, poderiam ajudar a compreender as representações existentes sobre os gays como mais propensos a uma vida sexual intensa e as lésbicas a uma vida amorosa duradoura, clássica oposição que se faz entre homens e mulheres na cultura brasileira.
Cabe lembrar que os gays e lésbicas pesquisados são aqueles que estavam na Parada GLBT. Seria interessante comparar suas respostas com as dos que não estavam lá por diferentes motivos: por medo das acusações de desvio, por não fazerem da opção sexual uma política de identidade ou mesmo por considerarem a parada um "oba-oba", uma "atração turística" ou um "Carnaval fora de época", como declararam alguns gays assumidos à jornalista Mônica Bergamo, na coluna intitulada "Vá à Parada Gay. Mas não me convide".

Mirian Goldenberg é antropóloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autora de, entre outros, "De Perto Ninguém É Normal" (Record).


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