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VISÍVEIS E PRIVILEGIADOS
CAIO ROSENTHAL
ESPECIAL PARA A FOLHA
Hoje todas as análises que
dizem respeito ao futuro
epidemiológico da Aids
apontam para as populações mais desfavorecidas como sendo o alvo preferencial da endemia.
Assim, não será diferente do que hoje acontece, por exemplo, com a esquistossomose, malária, leishmaniose, a tuberculose etc. Ou será que
alguém já viu uma "celebridade"
com barriga d'água ou com os intestinos cheios de vermes?
Mas se a Aids não depende de saneamento básico como esgoto, água
encanada e não depende do tipo de
alimentação e tampouco de mosquitos ou outros vetores para sua transmissão, então por que considerá-la
uma doença de pobres? O motivo é
simples: é porque as informações a
respeito da doença, que ajudariam a
preveni-la, não chegam aos ouvidos
dos que mais precisam.
O perfil da Aids hoje entre nós está
bem definido e basta observar as
pessoas que freqüentam os hospitais
públicos, aliás entupidos de gente,
ao contrário dos privados. Esses,
apesar da baixa demanda, têm como
hábito, a mando dos planos de saúde
e seguradoras, empurrar para o serviço público tudo que é caro e que
consome mais despesas. Nessas horas, "a saúde é um dever do Estado e
um direito do cidadão", dizem os
chefes das medicinas de grupo e das
seguradoras, lavando as mãos das
responsabilidades que lhes cabem.
Na enorme maioria são pessoas
humildes, com renda familiar baixíssima, donas de casa, migrantes,
pessoas abandonadas pela família,
moradores de rua, desempregados,
travestis, profissionais do sexo de
rua, crianças prostituídas em troca
de uma pedrinha de crack, catadores
de lixo e aqueles que ainda não entenderam sua preferência sexual,
perplexos e desorientados. Esses são
os "pobres" que hoje convivem com
o vírus da Aids cujo perfil já predomina nas estatísticas oficiais.
Feitos os comentários, vamos à parada. A Associação da Parada do Orgulho de Gays, Lésbicas, Bissexuais e
Transgêneros traz em sua página na
internet a seguinte introdução:
"Nosso objetivo primeiro é dar visibilidade às categorias sócio-sexuais
e fomentar a noção de políticas públicas para os homossexuais". Nada
mais justo. É assim que, historicamente, por sociedades organizadas,
se dão as conquistas de direitos em
todos os segmentos e, portanto, a associação está no caminho certo.
A pesquisa Datafolha apresenta algo que à primeira vista parece contraditório: a ausência na parada de
pessoas com o perfil acima descrito.
Os números mostram que 77% das
pessoas lá presentes eram do sexo
masculino. Os brancos e pardos
eram 89% e apenas 6% negros. Em
relação ao nível de escolaridade, os
participantes são considerados muito acima da média se compararmos
a parada a um Carnaval de rua ou a
um jogo de futebol e o mesmo comentário serve para a renda familiar; alta para a média da população.
A pesquisa então evidencia que o
perfil dos freqüentadores da parada
é muito diferente daqueles que hoje
compõem a maioria dos que convivem com o vírus HIV e, conseqüentemente, as respostas relativas ao
HIV sofrem um certo viés e distanciam-se do mundo real. A análise
das respostas dos presentes na parada deixa-nos em situação até que
confortável. É tranqüilizador saber
que 77% das pessoas lá presentes já
fizeram o teste da aids, que 62%
usam camisinha sempre, em todas
as situações e, destes, 73% são do sexo masculino; melhor ainda.
À primeira vista poderia chamar a
atenção a resposta à pergunta em
que 15% das pessoas responderam
que, após a descoberta do coquetel
de medicamentos, aumentaram a
freqüência com que usam camisinha e apenas 5% disseram que diminuiu. Ora, se 62% responderam que
usam camisinha sempre, é porque
este hábito foi aumentando com o
decorrer do tempo e, como a descoberta do coquetel já está em uso há
pelo menos nove anos, estamos
diante de uma coincidência temporal. É o que se espera desta população que possui melhor consciência
dos riscos do sexo desprotegido.
Por último, gostaria de deixar como sugestão aos organizadores da
parada a inclusão também daqueles
que hoje representam o verdadeiro
perfil da Aids.
Caio Rosenthal é médico infectologista do
Hospital do Servidor Público Estadual e do
Instituto de Infectologia Emílio Ribas e
membro do Conselho Regional de Medicina
de São Paulo.
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