São Paulo, domingo, 19 de junho de 2005 |
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Guardiões do mistério perdido
Em "Segredos Guardados", Reginaldo Prandi conta a história e os impasses das religiões de origem africana
Reginaldo Prandi começa o seu livro perguntando sobre os segredos guardados de uma das mais famosas mães-de-santo da história da Bahia, Aninha do Axé Opô Afonjá. Em um relato vivo, fala de sua visita à casa de Agenor Miranda Rosa, um oluô, adivinho de enorme prestígio no Brasil. Pai Agenor, como era conhecido, não confirmou nem negou a existência do baú contendo os segredos de Aninha, mas ao mesmo tempo afirmou que a crença em segredos guardados revelava muitas vezes a ignorância dos filhos que, perpetuando a crença na existência de segredos, justificavam os seus erros. Ao longo de "Segredos Guardados", que conta a história dos cultos de origem africana no Brasil de uma forma simples e direta sem o pesado recurso acadêmico das muitas citações e dúvidas, Prandi vai descrevendo os percalços por que passou essa religião no Brasil. Ele fala dos terreiros de candomblé com uma intimidade de quem está dentro da crença e vai levando o leitor pelos muitos caminhos em que a religião trazida pelos negros africanos escravizados foi se integrando à sociedade de classes. Relata a capacidade incrível e a plasticidade dessa religião que se espalhou pelo Brasil chegando mesmo a gerar, nas décadas de 1950 e 1960, uma religião mais popular e menos africana, a umbanda. Mesmo sofrendo repressão moral, religiosa e policial ao longo de muitos anos, as religiões afro-brasileiras se tornaram de certa forma vitoriosas, ganhando adeptos em toda a sociedade brasileira e inspirando a nossa música, nossa poesia e nossa maneira de ser. Uma religião de origem étnica, negra, tornou-se uma religião sincrética e de todos; um encontro entre ricos, pobres, brancos, negros e índios. Mas Prandi observa que essa religião, que começou africana e negra e foi se tornando cada vez mais brasileira, parece não ter mais a sua força de outrora. Vem perdendo paulatinamente fiéis, sobretudo para as igrejas neopentecostais conforme mostrou o censo do ano 2000. Como explicar isso? Prandi não se furta a enfrentar a questão e como um Quesalid brasileiro recomenda: "Recobrar segredos é imperativo para restaurar o grande poder mágico da religião". Prandi recomenda recuperar a tradição, "pois em algum lugar ainda existem, conforme se crê, muitos segredos guardados". Mas que segredos são esses, se, como ensina a história de Quesalid, o segredo dos segredos é que não existem mesmo? Será que as religiões afro-brasileiras perdem força por terem cuidado pouco dos segredos, da tradição africana, como disse Reginaldo Prandi? Não terá sido também porque o país mudou e muitos brasileiros se cansaram de viver assombrados pelo poder do feitiço, da magia? Parece que esta é a resposta que estão dando muitos dos que se convertem às religiões evangélicas de toda a sorte. A mais impressionante e importante mudança no cenário religioso brasileiro dos últimos dez anos parece ser o enorme poder das igrejas evangélicas de prometer livrar os seus fiéis do medo do feitiço. Yvonne Maggie é professora titular de antropologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segredos Guardados 352 págs., R$ 45 de Reginaldo Prandi. Companhia das Letras (r. Bandeira Paulista, 702, conjunto 32, CEP 04532-002, SP, tel. 0/xx/ 11/ 3707-3500). Texto Anterior: + sociedade: A feijoada mudou Índice |
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