São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2001

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OS ASTROS E A VIDA COMPLICADA

da Redação

Mike Harding é professor da Escola de Psicoterapia do Regent's College, em Londres, e um dos críticos mais qualificados e contumazes do que chama de "bastião do racionalismo". Em um artigo publicado no ano passado na revista "Correlations" ("Preconceitos em Pesquisa Astrológica"), ele atacou ponto a ponto aqueles que consideram a astrologia "perigosa".
Seu maior alvo é a "Skeptical Inquirer", publicação que reúne intelectuais como Stephen Jay Gould, Richard Dawkins e Daniel Dennett. Harding acusa-os de tentar politizar o debate ao aproximar, como sendo não-científicos, a astrologia e movimentos como o feminismo e o pós-modernismo de Derrida e Richard Rorty. Harding, que também é consultor astrológico, rebate citando Wittgenstein: "Quando alguém diz "deve ser assim", ele apenas está apontando o momento em que parou de pensar".
Harding não vê com bons olhos as colunas de horóscopos, que, para ele, não têm "nenhuma técnica astrológica". (MARCOS FLAMÍNIO PERES)

Os horóscopos que aparecem regularmente na imprensa são confiáveis?
Não tenho respeito nenhum por colunas de horóscopo da imprensa. Elas são uma invenção dos anos 30 criada para vender jornais e não são baseadas em nenhuma verdadeira técnica astrológica. Isso pode ser facilmente demonstrado pelo fato de que, considerando-se um dia qualquer, raramente haverá concordância nas previsões. Pode-se argumentar que, afinal, se trata de um dia apenas, mas o fato é que astrólogos sérios, quando lidam com um mapa astral, certamente chegarão às mesmas conclusões com relação a questões centrais, ainda que partam de diferentes métodos de abordagem.

Então por que elas são tão populares?
As colunas de previsão astral em jornais vieram à luz pela primeira vez em 1930, na Inglaterra, nas páginas do londrino "Sunday Express". Tratava-se de um artigo do astrólogo John Naylor sobre o mapa astral da princesa Margaret, que tinha acabado de nascer. O texto era simples, embora sério. No mesmo artigo, Naylor fez uma previsão de que haveria "más notícias" para a indústria aeronáutica inglesa e que uma importante figura ligada a ela morreria.
No dia seguinte à publicação, o avião inglês R101 caiu em seu primeiro vôo, morrendo toda a tripulação e um alto membro da Força Aérea. Isso criou um tal interesse que o jornal pediu a Naylor que passasse a fazer previsões regulares, baseadas nos signos zodiacais. Naylor tentou um ou dois diferentes formatos, mas acabou por estabelecer aquele que é o mais comum hoje, o das colunas. Em suas primeiras tentativas, ele se servia de fato de uma técnica astrológica genuína. Hoje, acho que cada astrólogo constrói sua própria técnica e, talvez, a coisa toda.

A astrologia é um fenômeno de classe média?
Embora o "Sunday Express" fosse um jornal de classe média, as colunas se expandiram tanto que hoje abarcam todas as classes. Na Índia, por exemplo, elas são muito populares sem estarem enraizadas em nenhuma classe social específica, embora em parte isso se deva ao sistema de castas. De qualquer modo, a astrologia é provavelmente mais relacionada à classe média do que a qualquer outra, mas é também muito dependente dos aspectos culturais. Por exemplo, a África não tem uma tradição de astrologia, e é mais provável que pessoas com essa tradição cultural busquem previsões e conselhos em um médium. Já na Índia, onde a astrologia tem uma tradição poderosa, ela é uma questão do dia-a-dia para a população.

Por que autores como Daniel Dennett e Richard Dawkins consideram a astrologia "perigosa", como o sr. menciona em seu artigo?
Eu não sei por que Dennett e Dawkins são tão contrários à astrologia. Mas, levando-se em conta o que eles têm escrito sobre o tema, pode-se deduzir que são contra porque a consideram "não-científica". Dawkins em particular argumenta que a astrologia não funciona porque não existe nenhum "mecanismo" conhecido. Aqui ele comete um erro básico ao assumir que, pelo fato de alguma coisa não poder ser explicada de um certo modo, ela não pode ser explicada de modo nenhum. Como aponta Wittgenstein, quando alguém diz "deve ser "assim"", ele apenas está apontando o momento em que parou de pensar.

Tem-se a impressão que o sr. não critica a ciência propriamente, mas a metodologia usada pelos cientistas. Ser a favor ou contra a astrologia é sobretudo uma questão de método?
Sim, o método (e a atitude por trás dele, seja de abertura, seja de pouca receptividade) tem muito a ver com o fato de a astrologia poder ou não ser objeto de pesquisa. Muitas das pesquisas são muito simplistas e não-fenomenológicas. O caso que cito em meu texto é emblemático. Foram misturados mapas astrais de 20 pintores e de 20 políticos. Poderiam os astrólogos separá-los? Eles não puderam. Mas os pesquisadores misturaram indiscriminadamente mapas astrais os mais variados. Os pesquisadores não imaginaram perguntar, por exemplo, por que alguém pinta ou por que alguém leva uma vida pública. Partiu-se da idéia de que todo pintor deve pintar pela mesma razão, assim como se considerou que todos os políticos entraram na vida pública também por um único motivo. Mas por que isso deveria ocorrer?
A pesquisa de tipos de personalidade é muito difícil, e os testes psicológicos mais convencionais dizem muito pouco sobre isso. De modo interessante, pode ser demonstrado que pessoas que viram os resultados de seus testes de MMPI (sigla em inglês para "perfil psicológico mais respeitável") não puderam reconhecer-se neles. A astrologia afirma constantemente que a vida é muito complicada, sujeita a mudanças constantes, e que o "dentro" e o "fora" não apresentam limites precisos.

Qual a relação entre astrologia e pós-modernismo? Trata-se apenas de um esforço de politizar o debate por parte daqueles que atacam a astrologia?
Periódicos como o "Skeptical Inquirer" certamente atacam teóricos do pós-modernismo como "não-científicos", mas não creio que Rorty tenha muito a dizer sobre a astrologia. A preocupação deles com a complexidade da linguagem pode, porém, ajudar a construir algumas pontes, pois a astrologia é a forma de linguagem compreensiva mais antiga existente para explorar nossa relação com o mundo.

O sr. critica não apenas cientistas que dizem que a astrologia é um substituto para a religião, como Rudolf Smit, mas também aqueles que, como Adorno, usam o arsenal da psicanálise para chamá-la de "uma substituta para a relação proibida com uma figura paterna onipotente". Então, o que é exatamente a astrologia?
Se você pergunta o que astrologia "é", eu deveria dizer que primariamente é o que Wittgenstein chamou de "jogo de linguagem", um modo de falar e pensar sobre as coisas com sua própria lógica. Não está conectado com nenhuma época ou linguagem específicas, mas é baseada na experiência assimilada. É uma linguagem conectada com a natureza do tempo e da existência.



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