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MEMÓRIAS
Uma consciência dilacerada
MAURICIO PULS
da Redação
A consciência de um militante
comunista é atravessada por um
conflito trágico: ele é obrigado a
realizar tarefas das quais frequentemente discorda, mas suporta os
sacrifícios porque teme ser excluído da comunidade revolucionária, o que o relegaria a uma existência alienada e inautêntica.
"Cartas ao Comitê Central", do
teatrólogo Hersch Basbaum, narra o doloroso processo de rompimento de seu pai, o historiador
Leôncio Basbaum (1907-1969),
com o Partido Comunista do Brasil. Leôncio ingressou no PCB aos
19 anos e um ano depois já era
eleito para o Comitê Central. Em
1928, representou o partido no 6º
Congresso da Internacional Comunista, em Moscou, e no ano seguinte foi enviado a Buenos Aires
para discutir a formação de uma
aliança com Luis Carlos Prestes.
Em 1933, porém, foi expulso do
Comitê Central, com outros intelectuais, durante a campanha de
"obreirização" do PCB. Três anos
depois, após o fiasco da Intentona, foi readmitido no Comitê Regional da Bahia. Nos anos 40, recebeu tarefas importantes (esconder Prestes, dirigir a editora do
partido), mas continuou marginalizado pelos novos dirigentes,
que desconfiavam de suas obras,
publicadas sem autorização ("A
Caminho da Revolução", "Fundamentos do Materialismo").
É nessa época que decide escrever cartas ao Comitê Central.
Uma delas, de 1945, relata as sucessivas afrontas que sofria da direção: "Mais da metade de minha
vida foi dedicada a trabalhar pelo
P. e não será pela circunstância
momentânea de alguns membros
da direção não gostarem de mim
que eu vou embora. Muitos, antes
disso, também não gostaram de
mim, mas eles
é que foram
embora, e eu
ainda estou
aqui. Depois
de mim muitos
vieram, subiram e desceram e foram
embora, mas
eu continuo no
mesmo lugar".
Em 1951,
Leôncio não consegue persuadir
Otávio Brandão, do Comitê Central, a formar uma frente para renovar a direção. "Não, Leôncio,
não posso! Embora eu concorde
com tudo o que você diz, não posso. Preservo a unidade do partido!" Desiludido com a reação,
Leôncio observa: "Eu já pensei
que nem ele. Como pude ser assim, é o que me pergunto".
Em 1952, recusa-se a continuar financiando o PCB:
"Desde que
vim para São
Paulo, há quatro anos, tenho
sido procurado por inúmeros camaradas... Mas nunca recebi uma
visita que não fosse para me pedir
dinheiro... Será que essa é a única
forma de eu poder ser útil ao P.?
Serei assim tão incapaz para qualquer outra tarefa?". Começa aí a
redigir sua conhecida "História
Sincera da República".
Em 1956 e 1957, ele participa dos
intensos debates que se seguiram
à divulgação do relatório de Nikita Kruschev sobre os crimes de
Stálin. Conversa com Astrojildo
Pereira, fundador do PCB, que lhe
conta as humilhações a que era
submetido, "de como não lhe permitiam falar ou escrever, tratando-o como "um mero intelectual
pequeno-burguês". Convidei-o a
tomar uma atitude qualquer, porque eu estava pensando em fazer
qualquer coisa... Insinuou que estava velho e doente e que, o que
quer que acontecesse, preferia
morrer dentro do partido que ele
havia fundado. O que lhe pude
responder é que aquele não era
mais o partido que ele havia fundado". Leôncio redige então sua
última carta ao Comitê Central
("Eu acuso!") e deixa o PCB.
A OBRA
Cartas ao Comitê Central:
História Sincera de um Sonhador - Hersch W. Basbaum.
Discurso Editorial (av. Prof. Luciano Gualberto, 315, CEP 05508-900,
SP, tel. 0/xx/11/814-5383). 210
págs. R$ 20,00.
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