São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2008

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Escavando a terra letrada

Organizador da "História dos Intelectuais na América Latina", Carlos Altamirano diz que região vive revival político

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

O uruguaio José Enrique Rodó (1872-1917), o venezuelano Andrés Bello (1781-1865), os argentinos Sarmiento (1811-1888) e Juan Bautista Alberdi (1810-1884) e o brasileiro José Bonifácio (1763-1838) são apenas alguns nomes de destaque de um surpreendente time de pensadores da América Latina do século 19. De diferentes filiações ideológicas, boa parte deles é herdeira da tradição da elite letrada dos tempos de colônia. Após as revoluções de independência, que começaram em 1810, tornaram-se referências para o debate político, social e cultural sobre o futuro de seus países e do continente. O diálogo era mais comum entre as nações de língua hispânica, enquanto o Brasil, de modo geral, permanecia apartado das discussões. Há poucos estudos que avaliem a produção e as idéias desses homens de um modo amplo. Agora, o lançamento, na Argentina, do primeiro volume da série "Historia de los Intelectuales en América Latina" (História dos Intelectuais na América Latina, ed. Katz, 588 págs., 129 pesos, R$ 87), dirigido pelo historiador das idéias Carlos Altamirano, vem ajudar a completar esse espaço. A obra terá vários volumes. Em cada um, artigos de intelectuais de diferentes países. Neste, escrevem as brasileiras Maria Alice Rezende de Carvalho, Lilia Moritz Schwarcz e Laura de Mello e Souza. Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista que Altamirano concedeu à Folha.

 

FOLHA - Como se iniciou o projeto?
CARLOS ALTAMIRANO
- Primeiro veio a idéia de promover uma história dos intelectuais na América Latina que questionasse figuras às vezes admiradas, às vezes desprezadas, do discurso edificante e normativo que predominava no estudo do intelectual. A situação não era similar em todos os países e, em alguns, como Brasil ou México, existe hoje uma produção historiográfica e sociológica muito importante e inovadora sobre o tema. À margem desses países, a situação era muito desigual e nos faltava uma história geral. Esse é o ponto de partida.

FOLHA - Como "La Ciudad Letrada", de Ángel Rama (1926-83), inspirou o projeto?
ALTAMIRANO
- Eu havia lido "A Cidade Letrada" quando apareceu, em 1984, e não havia me motivado muito intelectualmente. Mas quando me pus a pensar na possibilidade de uma história das elites intelectuais, a revisar o que tínhamos, uma vez que não nos encontrávamos no ano zero, o livro de Rama surgiu como obra incontornável, por causa dos debates que suscitou em seu tempo. Ele introduziu uma ruptura na tradição de que fazia parte, a do "americanismo", afirmando que não há melhor modo de prosseguir uma tradição do que rompendo com ela.

FOLHA - O sr. diz que, nos últimos dez anos, houve um renascimento da história política na América Latina. Uma explicação para isso seriam as mais de duas décadas de redemocratização em alguns países?
ALTAMIRANO
- Sim, há um renascimento da história política, o que não significa que se volte à história política tradicional, que se praticou predominantemente no século 19, e sobre a qual se fundou o saber historiográfico nos nossos países. Ainda que termos como cidadania e república retornem, nesse novo momento a volta a esses temas traz outras perguntas e outros instrumentos. A pesquisa hoje se volta a outros temas ou enfoques, como âmbitos e práticas sociais, o estudo das sociedades de idéias e das práticas de leitura. Com isso, se coloca um novo foco nas elites culturais do século 19.

FOLHA - Qual é a tendência da produção intelectual no continente?
ALTAMIRANO
- Que os intelectuais falem uns para os outros, quer seja por meio do debate, quer por movimentos ou revistas, foi e segue sendo parte da vida intelectual de sempre. Teoricamente, isso não impede que intervenham no debate público e falem para a opinião daqueles que são cidadãos, como o intelectual, mas não necessariamente a seus colegas. A expressão "intelectual público" foi cunhada para isso, para indicar uma atitude que já não é a do profetismo político ou a do ideólogo, como no passado, mas tampouco a do expert. Entendo que essa figura do intelectual público, que se quer mais próximo ao cidadão que ao preceptor da nação ou do povo, é hoje bastante corrente em nossos países.

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