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Escavando a terra letrada
Organizador da "História
dos Intelectuais na América Latina", Carlos Altamirano diz que região vive revival político
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
O uruguaio José
Enrique Rodó
(1872-1917), o venezuelano Andrés
Bello (1781-1865),
os argentinos Sarmiento (1811-1888) e Juan Bautista Alberdi
(1810-1884) e o brasileiro José
Bonifácio (1763-1838) são apenas alguns nomes de destaque
de um surpreendente time de
pensadores da América Latina
do século 19.
De diferentes filiações ideológicas, boa parte deles é herdeira da tradição da elite letrada dos tempos de colônia.
Após as revoluções de independência, que começaram em
1810, tornaram-se referências
para o debate político, social e
cultural sobre o futuro de seus
países e do continente.
O diálogo era mais comum
entre as nações de língua hispânica, enquanto o Brasil, de
modo geral, permanecia apartado das discussões.
Há poucos estudos que avaliem a produção e as idéias desses homens de um modo amplo. Agora, o lançamento, na
Argentina, do primeiro volume
da série "Historia de los Intelectuales en América Latina"
(História dos Intelectuais na
América Latina, ed. Katz, 588
págs., 129 pesos, R$ 87), dirigido pelo historiador das idéias
Carlos Altamirano, vem ajudar
a completar esse espaço.
A obra terá vários volumes.
Em cada um, artigos de intelectuais de diferentes países. Neste, escrevem as brasileiras Maria Alice Rezende de Carvalho,
Lilia Moritz Schwarcz e Laura
de Mello e Souza.
Leia, abaixo, os principais
trechos da entrevista que Altamirano concedeu à Folha.
FOLHA - Como se iniciou o projeto?
CARLOS ALTAMIRANO - Primeiro
veio a idéia de promover uma
história dos intelectuais na
América Latina que questionasse figuras às vezes admiradas, às vezes desprezadas, do
discurso edificante e normativo que predominava no estudo
do intelectual.
A situação não era similar em
todos os países e, em alguns, como Brasil ou México, existe hoje uma produção historiográfica e sociológica muito importante e inovadora sobre o tema.
À margem desses países, a situação era muito desigual e nos
faltava uma história geral. Esse
é o ponto de partida.
FOLHA - Como "La Ciudad Letrada", de Ángel Rama (1926-83), inspirou o projeto?
ALTAMIRANO - Eu havia lido "A
Cidade Letrada" quando apareceu, em 1984, e não havia me
motivado muito intelectualmente. Mas quando me pus a
pensar na possibilidade de uma
história das elites intelectuais,
a revisar o que tínhamos, uma
vez que não nos encontrávamos no ano zero, o livro de Rama surgiu como obra incontornável, por causa dos debates
que suscitou em seu tempo.
Ele introduziu uma ruptura
na tradição de que fazia parte, a
do "americanismo", afirmando
que não há melhor modo de
prosseguir uma tradição do
que rompendo com ela.
FOLHA - O sr. diz que, nos últimos
dez anos, houve um renascimento
da história política na América Latina. Uma explicação para isso seriam
as mais de duas décadas de redemocratização em alguns países?
ALTAMIRANO - Sim, há um renascimento da história política,
o que não significa que se volte
à história política tradicional,
que se praticou predominantemente no século 19, e sobre a
qual se fundou o saber historiográfico nos nossos países.
Ainda que termos como cidadania e república retornem,
nesse novo momento a volta a
esses temas traz outras perguntas e outros instrumentos.
A pesquisa hoje se volta a outros temas ou enfoques, como
âmbitos e práticas sociais, o estudo das sociedades de idéias e
das práticas de leitura. Com isso, se coloca um novo foco nas
elites culturais do século 19.
FOLHA - Qual é a tendência da produção intelectual no continente?
ALTAMIRANO - Que os intelectuais falem uns para os outros,
quer seja por meio do debate,
quer por movimentos ou revistas, foi e segue sendo parte da
vida intelectual de sempre.
Teoricamente, isso não impede que intervenham no debate público e falem para a opinião daqueles que são cidadãos,
como o intelectual, mas não necessariamente a seus colegas.
A expressão "intelectual público" foi cunhada para isso, para indicar uma atitude que já
não é a do profetismo político
ou a do ideólogo, como no passado, mas tampouco a do expert. Entendo que essa figura
do intelectual público, que se
quer mais próximo ao cidadão
que ao preceptor da nação ou
do povo, é hoje bastante corrente em nossos países.
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