|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+livros
O laboratório da democracia
Editor para a América Latina da prestigiosa revista "The Economist", Michael Reid lança livro sobre o continente
DA REPORTAGEM LOCAL
O jornalista Michael
Reid estava com
receio de lançar
seu livro, "O Continente Esquecido
- A Batalha pela Alma Latino-Americana" (ed. Campus, trad.
Marcello Lino, 424 págs., R$
85), no Brasil. Tendo vivido em
diferentes países do continente
desde 1982 e sido o responsável
por abrir o escritório da revista
britânica "The Economist" em
SP, em 1996, ele desconfiava do
estranhamento que o título poderia causar por aqui.
"Muitos brasileiros não
acham que seu país faz parte da
América Latina. Estou preocupado com que pensem que o livro trata de um assunto totalmente diferente, que não lhes
diz respeito, quando, em boa
parte dele, o que tento é mostrar ao mundo que o Brasil é
uma parte muito importante
dessa região", disse à Folha.
Na entrevista abaixo, afirma
que o continente vive um momento único no que diz respeito à experiência democrática e
que é um "laboratório" de política a que o planeta deveria
prestar mais atenção.
(SYLVIA COLOMBO)
FOLHA - Qual é a principal diferença entre a sua opinião sobre a América Latina e a da "Economist"?
MICHAEL REID - Antes de mais
nada, é preciso dizer que a revista tem uma visão sobre a região muito diferente do resto
da mídia britânica. Tem correspondentes no México e no Brasil e uma seção dedicada à
América Latina.
O resto [da mídia] ainda tem
uma visão folclórica do continente e carrega os estereótipos
criados durante a Guerra Fria.
Contudo creio que minhas
opiniões diferem das de meus
colegas da revista, pois vejo
com muito mais ceticismo o
que se convencionou chamar
de "neoliberalismo".
Eu não gosto desse termo,
não o considero útil. Não acredito que, no caso latino-americano, o livre mercado e o livre
comércio, sozinhos, trarão desenvolvimento.
FOLHA - O que o sr. considera mais
novo na discussão política atual sobre o continente?
REID - Na maioria desses países, nos últimos 30 anos, estamos vendo o estabelecimento
inédito de democracias duráveis, baseadas no sufrágio universal e que dão oportunidade,
na prática, para que qualquer
um seja eleito. Golpes militares
são algo do passado.
FOLHA - Ou seja, o sr. é um otimista
quanto ao futuro do continente?
REID - Sim, mas com precauções. A emergência dessas democracias importa porque estamos falando de uma região
com uma imensa desigualdade
social e de distribuição de renda. O que os governos estão
tentando fazer é usar a democracia para criar sociedades
mais justas e prósperas.
Esse processo é de relevância
global. A América Latina está
tendo uma experiência com a
democracia que deveria ser
mais bem observada internacionalmente. Ela se tornou um
laboratório importante para
avaliar a democracia capitalista, e o resultado dessa experiência tem significado global.
FOLHA - Como o sr. vê o Brasil?
REID - O que está ocorrendo no
Brasil é o fenômeno de desenvolvimento mais considerável
deste século no continente.
EUA e Europa perceberam que
o país mais importante é o Brasil e é com ele que as relações
têm de ser fortalecidas, não
com o Mercosul. Temo que o
governo argentino, nos últimos
anos, tenha contribuído para
esvaziar a idéia de integração.
FOLHA - O sr. buscou autores do século 19 e do início do 20 para entender o continente. O que o impressionou mais entre aqueles que cita?
REID - Apesar de o objeto do livro ser a América Latina dos últimos 30 anos, pareceu-me importante voltar ao período logo
após as independências, em
1810, para encontrar as principais linhas que compõem o
quadro político atual.
Achei fascinante perceber
tantos aspectos da modernidade naquele tempo, e que estão
refletidos no pensamento e na
produção desses intelectuais.
O curioso é que, mesmo com
esses sinais, grande parte do século 20 foi de frustração e de
desapontamento. Isso porque,
por um lado, foi difícil sustentar o desenvolvimento econômico. Por outro, mostrou-se
duríssimo transformar sistemas de governo oligárquico-civis em democracias de massa.
Sérgio Buarque de Holanda
me ajudou a entender por que o
Brasil é diferente do resto do
continente.
Já Sarmiento foi interessante pelo modo como se empenhou em promover a educação
pública. Alberdi foi um fantástico intelectual liberal que percebeu as dificuldades de implementar o liberalismo na América do Sul naquele momento.
Por fim, Mariátegui introduziu, ainda que de forma equivocada, a importância de pensar o
elemento indígena na política.
Todos refletem elementos
essenciais das sociedades daquele tempo que trazem lições
para os dias de hoje.
Texto Anterior: +Livros: Escavando a terra letrada Próximo Texto: +Livros: A tentação original Índice
|