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Concreto desarmado
Antologia poética de Arnaldo Antunes mostra o lado mais pop da vanguarda
LUÍS AUGUSTO FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não há leitor brasileiro de poesia recente que desconheça Arnaldo Antunes; se não for
pelo livro, será pela canção, essa jóia da cultura do século 20
em que o Brasil se expressa
com tanta força, com tanta
gente, para todo o mundo.
O Antunes de livro tem história já larga: antes mesmo do
primeiro disco dos Titãs, de
1984, estava na rua o primeiro
livro, "Ou e", em 1983. Se artista se mede pela permanência e
pela persistência, aí está um
poeta com tudo para continuar
sendo lido.
Mas Arnaldo Antunes não
precisaria dessa sucessão para
ser lido nem para ser legível.
De um modo que vale a pena
examinar, sua poesia encontrou força expressiva notável já
nos primeiros livros (e nos primeiros discos, igualmente): a
gente via, ouvia, lia em sua arte
a experiência megalopolitana
viva, nascida do ventre concretista, pela contração da forma
contendo grande energia, pela
economia de meios querendo
dizer muito, pela conversa
franca com a informação visual, mas com a novidade de
um elemento de erotismo, difuso mas perceptível.
Tudo isso ganhando força no
plano da canção, que era roqueira e procurava um ar de rebeldia -mais do que no conjunto dos Titãs, era em Arnaldo
Antunes ele mesmo que se concentrava essa dimensão rebelde: o agressivo corte de cabelo,
a tensa expressividade dos
olhos saltados, os movimentos
conscientemente quebrados,
jogados contra o paradigma da
harmonia, por assim dizer, deslizante do samba.
Qualquer meio
Era um artista total a valer-se
de qualquer meio, de todos os
meios, corpo, voz, palavra, imagem, para dizer algo vital, que
era compreendido na hora pelo
leitor/ouvinte, para além do
muro da mercadoria rock (e da
mercadoria mais refinada chamada livro, também).
Era uma senha contra a estagnação, que só seria perceptível se o sujeito topasse a empreitada de ver que o mero movimento da rotina era também
paralisia: o pulso ainda pulsa.
No poema chamado "O Pulso", por sinal, aparece de corpo
inteiro um dos procedimentos
recorrentes da poesia de Antunes. Trata-se da enumeração
exaustiva: como se o poeta quisesse esgotar o tema (esgotar:
dar esgoto, deixar fluir), repassando todas as variações dele,
somos chamados a percorrer
uma rede inescapável de doenças, do corpo e da alma, começando por peste bubônica e terminando em afasia, mas a cada
giro do refrão (refrão: o que refreia, inclusive o esgoto) reafirmando a vida, o desejo, o pulso
que ainda pulsa.
O leitor, atingido pela força
da série desentranhada à força,
vai fazer perguntas para si mesmo (para desgosto dos formalistas radicais, a poesia continua fazendo perguntas sobre a
vida), atordoado pelos nomes,
conjurado por eles.
Arnaldo Antunes tem outra
predileção formal: mágico hábil na frente dos desatentos que
somos, gosta de desfazer os nexos óbvios entre forma e conteúdo, significante e significado, superfície e abismo.
Sem tragédias
Exemplo bom é o título de
sua antologia: "Como É que
Chama o Nome Disso".
É uma pergunta sem ponto
de interrogação; é uma brincadeira infantil com a linguagem;
e é um programa de ação: ali
onde a rotina da língua criou
uma craca cristalizada, o poeta
vai catar uma trinca, uma rachadura por onde passar a dúvida, para esgotar, mais uma
vez e sempre, o que ali se recolhia, pus sintoma da doença, vida em forma de tensão.
Além de sua notável criação
poética, com uma seleta de cada um dos dez livros, mais letras de canções e textos inéditos, o volume traz também uma
entrevista, não tão longa quanto as que estão nos volumes dedicados a Tom Zé e a José Miguel Wisnik (é a forma contida
do concreto, que, porém, não
tem mais, em Arnaldo Antunes,
o viés desenvolvimentista dos
anos 1950), mas de bom valor
para entender alguns lados da
forma que cria, como aquele
em que o poeta menciona seu
gosto por desdramatizar as tragédias: elas ainda estão ali, aqui,
mas não são apresentadas como choro.
Daí a força da voz de Antunes, a voz do corpo, algo cavernosa, mistura de metal e tábua,
e a voz da letra, seca, rarefeita,
mas sensual, quer dizer, viva.
LUÍS AUGUSTO FISCHER é professor de literatura na Universidade Federal do Rio Grande do
Sul e autor de "Quatro Negros" (L&PM).
COMO É QUE CHAMA O NOME DISSO
Autor: Arnaldo Antunes
Editora: Publifolha (tel. 0/xx/11/
3224-2186)
Quanto: R$ 59 (392 págs.)
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