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Lições de cinema
Da intuição até o domínio absoluto da técnica,
do som como elemento definidor à pressão dos grandes
estúdios, oito diretores fundamentais explicam
seu trabalho e apontam as tendências da sétima arte
GODARD Perversões do autor
A perversão da noção de autor é incontestavelmente
uma herança negativa da
"nouvelle vague". Antes,
aqueles que eram considerados autores dos filmes eram os roteiristas,
uma tradição que vinha da literatura. Nos créditos, os nomes dos diretores vinham em último lugar, a não
ser para pessoas como [John] Ford
ou [Frank] Capra, mas unicamente
porque eles também eram produtores. Mas nós dissemos: "Não, a direção é o fato fundador e verdadeiramente criador do filme. E Hitchcock
[1899-1980] é autor tanto quanto
Balzac [1799-1850]". A partir daí desenvolvemos a política dos autores,
que consistia em apoiar o autor,
mesmo quando ele era fraco.
Apoiávamos mais facilmente um
mal filme de autor que um bom filme de alguém que não o era. E depois o conceito se inverteu, se transformou em um culto ao autor, e não
a seu trabalho. Então todo mundo se
tornou autor, e, hoje, quase que o cenarista pede para ser reconhecido
como autor dos pregos que colocou
no cenário. O termo não quer dizer
mais nada, portanto. [...] Acredito
que, quando lançamos a política dos
autores, nos enganamos ao privilegiar a palavra "autor", enquanto na
verdade é a palavra "político" que
era preciso ressaltar.
Pois o verdadeiro objetivo desse
conceito não era demonstrar quem
faz a direção, mas, principalmente,
explicar o que faz a direção. [...]
Eu acredito que existem duas maneiras de enfrentar um filme. A primeira é a das pessoas que fazem cinema mais clássico e tradicional,
mas que vão até o fim. O que entendo por isso é que elas começam tendo vontade, a qual se transforma
pouco a pouco em idéia.
Elas fazem anotações, começam a
ver os cenários aparecendo em sua
cabeça, depois imagens, depois uma
narrativa, uma construção etc. A
partir de todos esses elementos, passam a preparar o filme da melhor
forma possível, um pouco do mesmo modo que um arquiteto prepara
as plantas de uma casa.
Depois há a filmagem, que consiste em realizar o melhor possível e da
maneira mais agradável o que foi desenhado nas plantas. E finalmente
há a montagem, o último momento
de possibilidade de invenção e de semiliberdade. Essa é uma abordagem. A minha é diferente. Eu começo tendo uma espécie de sentimento
abstrato, de atração por alguma coisa sem compreendê-la bem, e o fato
de filmá-la faz com que eu a verifique, pronto para recuar ou mudar
enormemente as coisas. Somente no
fim eu posso efetivamente verificar
se minha intuição estava certa e, é
claro, geralmente é tarde demais.
Eu diria que é um pouco como na
pintura moderna, na qual se faz uma
tentativa, depois se apaga e recomeça. É preciso explicar que eu sempre
parti da possibilidade real de fazer o
filme, quer dizer, o projeto é montado com um produtor antes mesmo
que eu tenha escrito o roteiro.
História de amor
Então, quando tudo isso está pronto, é preciso ir em frente. É um pouco como uma história de amor. A
gente fica junto, decide se casar e depois não é mais possível recuar. É
preciso levantar de manhã, fazer as
contas, se perguntar como vamos viver, trabalhar... Há uma obrigação
que não podemos evitar. [...]
Existem dois níveis de leitura em
um filme: o visível e o invisível. O
que você coloca diante da câmera é o
visível. E, se houver apenas isso, é
um telefilme que você faz. Os verdadeiros filmes, para mim, são aqueles
em que existe uma espécie de invisível, que só pode ser visto através daquele visível e unicamente porque
ele é agenciado ou orientado assim.
Muitos realizadores hoje se contentam em filmar o visível. Deveriam se fazer mais perguntas. Ou talvez sejam os críticos que deveriam
fazê-las. Mas não depois que os filmes estão prontos, como acontece
hoje. Não, aí é tarde demais, é preciso fazê-las antes. E é preciso fazê-las
como um juiz que interroga um suposto culpado. [...]
Eu nunca aderi ao conceito dos
atores que conseguem fazer acreditar que são o personagem. O exemplo definitivo é sem dúvida a peça de
Tchekov na qual a atriz faz crer que é
uma gaivota. Muitas pessoas acreditam, eu não. Eu nunca dirigi realmente os atores. Com Anna (Karina) o problema nem mesmo se colocava, pois ela mesma se dirigia.
Meus comentários muitas vezes se
reduziam a "mais forte", "mais devagar" ou, "se você não entendeu,
então pelo menos diga como eu teria
entendido". Em geral, deixo os atores fazerem sua própria criação. É
claro que o fazem sozinhos. Meu trabalho se restringe então a lhes dar
boas condições: um bom enquadramento, uma boa profundidade de
campo etc.
Não consigo fazer o enorme trabalho de direção de atores que se pode
encontrar em [Ingmar] Bergman
[1918], [George] Cukor [1899-1983]
ou [Jean] Renoir [1894-1979], quando podemos ver que eles amavam os
atores como um pintor ama seus
modelos.
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
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