São Paulo, domingo, 20 de janeiro de 2002 |
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+ sociedade Ensaísta norte-americana faz autocrítica do credo politicamente correto e "progressista" e defende a artificialidade dos direitos humanos Os antolhos da esquerda
Susie Linfield
O ano é 1956 para a esquerda?
Bem, é.
Outra ironia: nossa crença nos direitos humanos de alguma maneira ajudou a traí-los. Muitas vezes me dizem, hoje em dia, que os direitos humanos são inalienáveis -como se direitos, à maneira dos genes ou do DNA, residissem dentro de nós desde o nascimento. Conveniente, isso, pois quem precisa defender e muito menos criar o que seria inato? Mas direitos não são naturais: são produtos humanos artificiais, o resultado de pensamento deliberado, da história, de trabalho ético e político. Não herdamos direitos: os fazemos. Quando deixamos de construir instituições que lhes dêem forma (e optamos por recorrer a sensações que os sentimentalizam), eles deixam de existir. Hannah Arendt disse-o bem, em 1951, em palavras que ainda hoje se aplicam: "Nenhum paradoxo da política contemporânea está mais repleto de ironia pungente do que a discrepância entre os esforços dos idealistas bem-intencionados que teimosamente insistem em encarar como "inalienáveis" aqueles direitos humanos de que desfrutam apenas os habitantes de países prósperos e civilizados e a situação das pessoas desprovidas de direitos (...) A igualdade (...) não nos é dada, mas resulta da organização humana, na medida em que seja guiada pelo princípio da justiça. Não nascemos iguais; tornamo-nos iguais como membros de um grupo, com base em nossa decisão de garantir a todos direitos mutuamente iguais". Começando no século 18 e continuando até a metade do século passado, a esquerda sempre se definiu como defensora do conhecimento, ciência, secularismo, progresso, pensamento cético e liberdades universais (não-relativas). Tudo isso foi horrivelmente revertido; em lugar dos valores robustos de nossos ancestrais, temos racionalizações tímidas e assustadas para toda espécie de ideologias e práticas supersticiosas. O 11 de setembro -e com isso quero dizer não só o massacre no World Trade Center, mas a teia de visões de mundo e organizações reacionárias e odientas que o atentado revelou com força inconfundível- é um chamado à ação. Há momentos em que as coisas mudam, em que a história se dobra, se bem que não chegue a quebrar. Estamos em um momento como esse. E, porque aqui estamos, precisamos desaprender o lastimável hábito de pressupor que a verdade esteja no mensageiro e não na mensagem. Se um neoliberal ou conservador tiver mais a nos dizer do que Noam Chomsky, que seja. Toda a moralidade começa com o realismo: nossa capacidade de ver o mundo como é, em lugar de como queremos que seja, precisa ser, portanto, daqui por diante (e sempre deveria ter sido), o ponto de partida da política de esquerda. Será que somos honestos e corajosos o suficiente (o que nesse caso quer dizer também se estamos assustados a ponto de) para abandonar nossas fantasias vergonhosas sobre os oprimidos e nossas racionalizações vergonhosas nascidas da culpa, da arrogância e da indiferença? Nossas vidas, e certamente a espécie de mundo -se houver algum- que legaremos às futuras gerações, dependem disso. Susie Linfield é professora de jornalismo cultural e crítica na Universidade de Nova York. Copyright: Project Syndicate/Forum 2000. Tradução de Paulo Migliacci. Texto Anterior: lançamentos Próximo Texto: + política - Tarso Genro: Ambiguidades do Estado democrático Índice |
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