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+ livros
Para gostar de ler
Livro sobre
o "Suplemento Literário",
do "Estado de
S. Paulo"
expõe atual
elitização da leitura
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
M
eio século e um
ano atrás, "O
Estado de S.
Paulo" resolveu
pagar bem a um
grupo de intelectuais de primeira linha para produzir uma
"apensa" ao jornal: seis páginas
semanais dedicadas à literatura, sob o título de "Suplemento
Literário".
Basta mencionar os nomes
dos editores e colaboradores
para ter certeza da qualidade
do produto: Antonio Candido,
Décio de Almeida Prado, Paulo
Emílio Salles Gomes, Lourival
Gomes Machado, Leyla Perrone-Moisés, Nilo Scalzo, entre
diversos outros.
Quem ilustrava os textos
dessa gente eram artistas como
Aldemir Martins, Clóvis Graciano, Marcelo Grassman, Di
Cavalcanti, Maria Bonomi, Hilde Weber, Renina Katz, Wesley
Duke Lee, Livio Abramo.
A história deste marco da
cultura brasileira, que viveu de
1956 a 1974, está relatada em
"Que Falta Ele Faz!", de Elizabeth Lorenzotti. Trata-se de
documento inestimável para a
história do jornalismo e da vida
intelectual do país.
Dentre os registros que ele
traz, de incalculável valor para
os profissionais e estudiosos da
comunicação atuais, está a reprodução fac-similada do projeto que Antonio Candido
apresentou a Júlio de Mesquita
Neto e Ruy Mesquita para o suplemento e foi integralmente
aceito pelos diretores do jornal.
Em toda a sua existência, o
"Suplemento Literário" não
sofreu censura nem pressões.
O plano original foi cumprido à
risca, independentemente das
tensões ideológicas e econômicas que o país viveu, como relatam seus sobreviventes.
Mas a sociedade mudou, o
jornalismo também e o suplemento acabou. Lorenzotti diz
que ele faz falta. Mas o fato é
que aqueles seus objetivos de
"servir como instrumento de
trabalho e pesquisa aos profissionais da inteligência" e "nunca transigir com a preguiça
mental, com a incapacidade de
pensar" talvez tenham deixado
de fazer sentido no mundo
contemporâneo.
Sem pessimismo saudosista,
é difícil fugir à realidade de que
hoje em dia lê-se cada vez menos. Não só aqui no Brasil; no
mundo todo.
Sete minutos por dia
O National Endowment for
the Arts (entidade pública independente nos EUA) divulgou
no ano passado pesquisa segundo a qual os jovens americanos entre 15 e 24 anos gastam
em média sete minutos por dia
de semana em leitura voluntária (ou seja, não como tarefa escolar obrigatória).
A venda de livros nos EUA
caiu de 8,21 por habitante/ano
em 2001 para 7,93 em 2006. A
despesa com livros por domicílio americano em 2007 foi a
mais baixa em 20 anos, e o preço médio cresceu substancialmente -ou seja, as pessoas estão consumindo menos livros.
No Brasil, embora as livrarias
estejam comemorando um
crescimento de 15% em seu faturamento em 2007 em relação
ao ano anterior no bojo da onda
do aumento generalizado do
consumo, não há nenhum sinal
de que o número de leitores ou
que o tempo gasto em leitura
estejam também subindo.
Neste cenário, será que o
"Suplemento Literário" ou algo
do seu gênero teria como existir? Provavelmente não se o
jornalismo se mantiver no
mesmo rumo que tem seguido
nas últimas décadas.
No último quarto do século
20, o jornalismo impresso resolveu enfrentar o avanço dos
meios eletrônicos sobre o consumidor de informação mimetizando os adversários.
A fórmula mais apurada desse processo foi o diário "USA
Today", que tentava aparentar-se a uma TV no papel.
A estratégia deu certo por
uns tempos. Mas, depois de
cerca de 20 anos, o próprio
"USA Today" resolveu editar
textos mais longos e aprofundados, aparentemente convencido de que o público dos veículos impressos nunca mais irá
crescer e exige material de qualidade superior.
Na edição de 24 de dezembro
da revista "The New Yorker", o
escritor Caleb Crain especula
sobre a possibilidade de que "a
leitura de livros por prazer um
dia se tornará o domínio de
uma "classe de leitores" especial, à semelhança da que existiu até a segunda metade do século 19, quando chegou a leitura de massa".
Ler ficção poderá se tornar
um hábito arcano de uns poucos, que poderão desfrutar de
prestígio social ou não. Se e
quando isso acontecer, talvez
os jornais impressos venham a
ser o veículo preferencial dessa
casta, e aí, então, produtos como o "Suplemento Literário"
realmente farão falta e poderão
voltar a existir.
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é livre-docente e doutor em comunicação pela USP e diretor de relações institucionais da Patri Políticas
Públicas.
SUPLEMENTO LITERÁRIO - QUE FALTA ELE FAZ!
Autora: Elizabeth Lorenzotti
Editora: Imprensa Oficial do Estado de
São Paulo (tel. 0/xx/11/ 6099-9800)
Quanto: R$ 40 (208 págs.)
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