São Paulo, domingo, 20 de abril de 2008

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ORIENTE SEM HARMONIA

PROFESSOR DE DESIGN, CHINÊS TAI HSUAN-AN DIZ QUE COMUNIDADE É RACHADA NO BRASIL E SE IRRITA SE CONFUNDIDO COM JAPONÊS

DA REDAÇÃO

Tai Hsuan-an, 58, é professor de design e arquitetura na Universidade Católica de Goiás. Autor de "Ideogramas e a Cultura Chinesa" (É Realizações), ele diz que é natural que a cultura oriental seja vista de forma estereotipada e que é missão dos chineses fazerem sua cultura bem compreendida.
Para Tai, um problema pouco percebido na comunidade chinesa no Brasil é a persistência de rivalidades étnicas, embora também considere que o processo de assimilação deve neutralizar essas tensões.  

FOLHA - O sr. pode contar um pouco sobre sua própria história como imigrante?
TAI HSUAN-AN
- Desembarquei com meus pais e três irmãos em Santos [litoral de São Paulo], em 1968, como imigrantes. Junto com a família, já trabalhamos, por um ano, numa fazenda no interior de São Paulo, desbravando uma floresta para plantação de arroz.
Ficamos mais um ano em outra fazenda, dessa vez plantação de café, no Paraná. Mas meus pais, conscientes da importância da educação dos filhos, resolveram enfrentar a vida urbana de São Paulo para nos dar a oportunidade de estudo.
Assim, trabalhamos duro, duro mesmo, e "vencemos na vida". Eu mesmo, me formei pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. E, desde 1978, sou professor da Universidade Católica de Goiás, lecionando nos cursos de arquitetura e design.
Nasci numa pequena cidade, quase rural, no litoral sul da China. Toda a população local era da etnia majoritária han, pertencente a um importante grupo que falava uma língua fóssil viva, a mesma falada na China Central cerca de mil anos atrás.
Casei com uma chinesa de Xangai e falamos mandarim em casa. Já as minhas duas filhas, que nasceram em Goiânia, não falam mandarim, mas entendem, pois eu sistematicamente só falo mandarim em casa, e elas não. Faço questão de ser um verdadeiro chinês, pelo menos em casa.
Lee Chen Chen, minha mulher, chegou ao Brasil junto com a mãe, em 1964, para se encontrar com o pai, que já morava no Brasil. O pai, um empresário de Xangai, fugiu às pressas dos comunistas na década de 1950 para Taiwan, que era protegida pelos Estados Unidos.
Minha mãe, nos últimos anos de vida (morreu no ano passado, aos 84 anos), me perguntou diversas vezes se a decisão dela e de meu pai de virem para Brasil foi um erro, pois viu que a China havia mudado -e para melhor.

FOLHA - Sofreu preconceito no Brasil, quando jovem ou já adulto?
TAI
- Nunca senti um pingo de preconceito aqui. Só me sinto incomodado quando me chamam de japonês. Qualquer chinês ou coreano normalmente fica incomodado, se não ofendido, ao ser confundido com japonês por um inocente brasileiro.
O que não significa que os chineses tenham sempre rivalidade com os japoneses, a não ser aqueles que ainda guardam nitidamente na memória as atrocidades cometidas pelos invasores japoneses durante oito anos de ocupação do país.

FOLHA - E o sr. acha que essa situação mudou?
TAI
- Se algum chinês pensa que sofre preconceito, talvez seja um problema recente, com imigrantes que não falam direito a língua portuguesa e que mantêm hábitos não condizentes com a vida dos brasileiros. É inevitável que alguém possa ser mal visto e até rejeitado por não estar integrado.
Há muita imigração chinesa recente no Brasil e em muitos países, feita de todo tipo de pessoa, inclusive ex-camponeses, comerciantes de baixo nível de cultura e até de má índole -razão por que há mafiosos chineses nesses países.

FOLHA - A comunidade chinesa em Goiás é diferente da de São Paulo?
TAI
- Goiânia não chega a ter uma comunidade chinesa, pois são apenas cerca de 30 famílias, espalhadas pela cidade. Muitas delas não se conhecem por falta de tempo. Difere da comunidade chinesa de São Paulo apenas em número de indivíduos (do continente chinês, de Hong Kong e de Taiwan).
Mas a "comunidade" daqui apresenta, embora com menos intensidade, o mesmo problema da divisão ou discriminação interna entre diferentes grupos -o que não é de conhecimento dos brasileiros: os chineses do continente, os chineses de Taiwan, os taiwaneses separatistas (que não se consideram chineses, apesar de serem descendentes), os pró-comunistas e os anticomunistas.
Mas o maior problema é o da difícil assimilação da cultura brasileira pelos imigrantes chineses, que formam "guetos" (aglomerados em moradias e nos locais de trabalho) onde conversam entre si apenas em dialetos ou mandarim.
Contudo a situação rapidamente mudará com a nova geração que está sendo educada nas escolas brasileiras.

FOLHA - O sr. acha que os chineses são diferentes dos japoneses, dos italianos ou dos libaneses no quesito "integração"?
TAI
- Os imigrantes chineses são diferentes dessas outras comunidades que você menciona justamente por terem diferentes origens regionais e culturais, diferentes dialetos, hábitos e até ideologias -há uma diversidade enorme na China, diferentemente do Japão.
Os imigrantes japoneses são mais antigos, assim como também é o caso de libaneses, italianos e outros, que estão perfeitamente integrados na sociedade brasileira. 0 (ERNANE GUIMARÃES NETO)


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