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ORIENTE SEM HARMONIA
PROFESSOR DE DESIGN, CHINÊS TAI HSUAN-AN DIZ QUE COMUNIDADE É RACHADA NO BRASIL E SE IRRITA
SE CONFUNDIDO COM JAPONÊS
DA REDAÇÃO
Tai Hsuan-an, 58, é
professor de design e
arquitetura na Universidade Católica de
Goiás. Autor de
"Ideogramas e a Cultura Chinesa" (É Realizações), ele diz
que é natural que a cultura
oriental seja vista de forma estereotipada e que é missão dos
chineses fazerem sua cultura
bem compreendida.
Para Tai, um problema pouco percebido na comunidade
chinesa no Brasil é a persistência de rivalidades étnicas, embora também considere que o
processo de assimilação deve
neutralizar essas tensões.
FOLHA - O sr. pode contar um pouco sobre sua própria história como
imigrante?
TAI HSUAN-AN - Desembarquei
com meus pais e três irmãos em
Santos [litoral de São Paulo],
em 1968, como imigrantes.
Junto com a família, já trabalhamos, por um ano, numa fazenda no interior de São Paulo,
desbravando uma floresta para
plantação de arroz.
Ficamos mais um ano em outra fazenda, dessa vez plantação de café, no Paraná.
Mas meus pais, conscientes
da importância da educação
dos filhos, resolveram enfrentar a vida urbana de São Paulo
para nos dar a oportunidade de
estudo.
Assim, trabalhamos duro,
duro mesmo, e "vencemos na
vida". Eu mesmo, me formei
pela Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da USP. E, desde
1978, sou professor da Universidade Católica de Goiás, lecionando nos cursos de arquitetura e design.
Nasci numa pequena cidade,
quase rural, no litoral sul da
China. Toda a população local
era da etnia majoritária han,
pertencente a um importante
grupo que falava uma língua
fóssil viva, a mesma falada na
China Central cerca de mil
anos atrás.
Casei com uma chinesa de
Xangai e falamos mandarim
em casa. Já as minhas duas filhas, que nasceram em Goiânia,
não falam mandarim, mas entendem, pois eu sistematicamente só falo mandarim em casa, e elas não. Faço questão de ser um verdadeiro chinês, pelo
menos em casa.
Lee Chen Chen, minha mulher, chegou ao Brasil junto
com a mãe, em 1964, para se encontrar com o pai, que já morava no Brasil.
O pai, um empresário de
Xangai, fugiu às pressas dos comunistas na década de 1950 para Taiwan, que era protegida
pelos Estados Unidos.
Minha mãe, nos últimos anos
de vida (morreu no ano passado, aos 84 anos), me perguntou
diversas vezes se a decisão dela
e de meu pai de virem para Brasil foi um erro, pois viu que a
China havia mudado -e para
melhor.
FOLHA - Sofreu preconceito no Brasil, quando jovem ou já adulto?
TAI - Nunca senti um pingo de
preconceito aqui.
Só me sinto incomodado
quando me chamam de japonês. Qualquer chinês ou coreano normalmente fica incomodado, se não ofendido, ao ser confundido com japonês por
um inocente brasileiro.
O que não significa que os
chineses tenham sempre rivalidade com os japoneses, a não
ser aqueles que ainda guardam
nitidamente na memória as
atrocidades cometidas pelos
invasores japoneses durante
oito anos de ocupação do país.
FOLHA - E o sr. acha que essa situação mudou?
TAI - Se algum chinês pensa
que sofre preconceito, talvez
seja um problema recente, com
imigrantes que não falam direito a língua portuguesa e que
mantêm hábitos não condizentes com a vida dos brasileiros. É
inevitável que alguém possa ser
mal visto e até rejeitado por
não estar integrado.
Há muita imigração chinesa
recente no Brasil e em muitos
países, feita de todo tipo de pessoa, inclusive ex-camponeses,
comerciantes de baixo nível de
cultura e até de má índole -razão por que há mafiosos chineses nesses países.
FOLHA - A comunidade chinesa em
Goiás é diferente da de São Paulo?
TAI - Goiânia não chega a ter
uma comunidade chinesa, pois
são apenas cerca de 30 famílias,
espalhadas pela cidade. Muitas
delas não se conhecem por falta
de tempo. Difere da comunidade chinesa de São Paulo apenas
em número de indivíduos (do
continente chinês, de Hong
Kong e de Taiwan).
Mas a "comunidade" daqui
apresenta, embora com menos
intensidade, o mesmo problema da divisão ou discriminação
interna entre diferentes grupos
-o que não é de conhecimento
dos brasileiros: os chineses do
continente, os chineses de Taiwan, os taiwaneses separatistas
(que não se consideram chineses, apesar de serem descendentes), os pró-comunistas e os
anticomunistas.
Mas o maior problema é o da
difícil assimilação da cultura
brasileira pelos imigrantes chineses, que formam "guetos"
(aglomerados em moradias e
nos locais de trabalho) onde
conversam entre si apenas em
dialetos ou mandarim.
Contudo a situação rapidamente mudará com a nova geração que está sendo educada
nas escolas brasileiras.
FOLHA - O sr. acha que os chineses
são diferentes dos japoneses, dos
italianos ou dos libaneses no quesito "integração"?
TAI - Os imigrantes chineses
são diferentes dessas outras comunidades que você menciona
justamente por terem diferentes origens regionais e culturais, diferentes dialetos, hábitos e até ideologias -há uma diversidade enorme na China, diferentemente do Japão.
Os imigrantes japoneses são
mais antigos, assim como também é o caso de libaneses, italianos e outros, que estão perfeitamente integrados na sociedade brasileira.
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(ERNANE GUIMARÃES NETO)
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