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Escritor discute o fortalecimento da direita na Itália e a ameaça às instituições democráticas
A vigência do antifascismo
Comemorou-se há pouco, na Itália, o 25 de abril, aniversário da libertação do fascismo, da vitória
dos aliados sobre os nazistas e
dos "partigiani" sobre os partidários da
República de Salò, uma data que, por tudo isso, se transformou em festa nacional, isto é, uma festa de todos os italianos.
Porque nossa república se funda no antifascismo, e nossa pátria nele se reconhece. Há cerca de três anos, tive a oportunidade de assistir à cerimônia de traslado dos restos mortais do escritor André Malraux para o Panteão da França. A
solenidade foi presidida por Jacques Chirac, presidente da República e representante da direita francesa, herdeira política do partido do mesmo general De Gaulle (de quem Malraux foi ministro), que,
com suas tropas e com a Resistência
francesa, libertou seu país dos invasores
nazistas.
Mas Chirac não conduzia ao Panteão
um ex-ministro de De Gaulle (pois, nesse
caso, todos os ex-ministros mereceriam
a mesma honra), e sim um herói nacional: o Malraux que, como antifascista, lutara contra o franquismo na Guerra Civil
Espanhola e como maqui na Alsácia contra os nazistas. No momento em que o
féretro entrou no Panteão, a orquestra
tocou o hino da Resistência e "A Marselhesa". O antifascismo, de fato, não é,
nem na França nem na Itália, uma "opção", mas um denominador comum das
democracias européias do pós-guerra.
Na França, não aceitar o princípio do antifascismo significa a exclusão da vida
política, segundo uma rigorosíssima
"conventio ad excludendum" (inspirada
no Front Républicain), promovida justamente pela direita gaullista (uma direita
nem um pouco light).
Assim, Jacques Chirac fez questão de
deixar claro que não recorreria aos votos
do partido de Le Pen, mesmo que isso
significasse perder as eleições. Na França, um acordo com Le Pen, por mais secreto ou "técnico" que seja, está totalmente fora de discussão, até mesmo numa tese acadêmica. De Gaulle impôs o
antifascismo como horizonte comum e
insuperável não apenas do ser democrático, mas também do ser francês: quem
flerta com alguma fórmula de revisionismo fascista ou fascistóide ou quem, por
qualquer motivo, justifica o governo de
Vichy é imediatamente considerado um
traidor da pátria.
Na Alemanha, o antifascismo também
faz parte da Constituição e considera-se
delito negar ou minimizar o extermínio
do povo judeu (assim como o dos ciganos, dos homossexuais, dos deficientes
ou dos opositores políticos de Hitler). Na
Espanha de hoje, nem mesmo os representantes da direita ou os políticos que
pertenceram à ala moderada do franquismo ousariam reivindicar esse regime. Em Portugal, a festa nacional (lá
também o 25 de abril) é a festa da Revolução dos Cravos, isto é, a libertação do
salazarismo, e a atual direita portuguesa
nem em sonhos se remeteria aos princípios daquele regime fascistóide. Seria
desnecessário, por fim, falar da Bélgica,
da Holanda ou da Dinamarca, democracias que excluem firmemente qualquer
possibilidade de ressurgimento do fascismo.
O antifascismo, portanto, não é uma
questão de opção para ninguém, mas
sim o irrenunciável horizonte comum da
atual cidadania européia. Pois bem, na
Itália, cuja Constituição nasce da Resistência e se fundamenta no antifascismo,
ultimamente a direita tem manifestado
renovado carinho pelo fascismo, a ponto
de consentir que os seguidores dessa
ideologia, que tantos massacres e catástrofes causaram à nossa Europa, sejam
legitimados, mimados e cortejados, tolerando o descaramento e a arrogância
com que ferem nossa Carta Magna.
Uma recente amostra disso, denunciada com preocupação por personalidades
como Alessandro Galante Garrone e
Paolo Sylos Labini, foi protagonizada pelo partido de Silvio Berlusconi ao dar um
passo decisivo para o abraço funesto que
o qualifica abertamente como direita antidemocrática, parafascista e, por isso
mesmo, auto-excluída dos valores europeus: a aliança eleitoral com o movimento do nazifascista Pino Rauti, indivíduo
que, além disso, está sendo investigado
pela Procuradoria da República como
autor de um atentado. No ano passado, o
presidente da República, Ciampi, assim
como fizeram seus antecessores Sandro
Pertini e Oscar Luigi Scalfaro, prestou
sua homenagem, em nome de toda a nação, às 560 vítimas do massacre nazista
de Sant'Anna di Stazzema, na Província
de Lucca, localidade agraciada com a
medalha de ouro de mérito militar.
Gostaria de lembrar os pormenores
daquela matança aos leitores que não a
conheceram. Eis o que ocorreu quando
os nazistas chegaram ao povoado, nas
palavras do escritor local Manlio Cancogni: "Os habitantes foram empurrados
para os corredores e os andares baixos
para ali serem metralhados, e, enquanto
muitos deles ainda estavam vivos, as casas eram incendiadas; as paredes, os móveis, os cadáveres, os corpos vivos, os
animais nos estábulos, tudo ardia numa
única chama. Depois havia os que tentavam fugir pelos campos e eram abatidos
com rajadas de metralhadora, quando,
com um grito de angústia e de suprema
esperança, já se encontravam nos limites
do bosque que poderia salvá-los. Havia
ainda as crianças, os frágeis corpos infantis que excitavam aquela libido demente de destruição. Quebravam-lhes o
crânio com as culatras de suas armas e,
traspassando-os com um bastão, pregavam-nos nas paredes das casas. Sete delas foram colocadas num forno preparado para o pão daquela manhã e assadas
em fogo lento. E ainda não tinham terminado. Desceram pelo caminho do vale,
sedentos de tortura e destruição, cometendo novos crimes até a caída da noite".
Leio no jornal o anúncio insólito de um
fato que aconteceu, ao que parece, sem
que nossas instituições nada fizessem
para impedi-lo: em 25 de abril, em Lucca,
a poucos quilômetros do local do massacre, os neofascistas da Forza Nuova, com
a conivência do prefeito da Forza Italia
(ao que tudo indica, uma aliança de Forças), o senhor Pietro Fazzi, homenagearam o hierarca fascista Pavolini em um
edifício da prefeitura.
Nesse mesmo 25 de abril, a mesma força neofascista prestou homenagem a
Mussolini em Piazzale Loreto. Trata-se
de manifestações de desprezo à Constituição e às leis da República italiana por
parte de um neofascismo que em nosso
país já avança abertamente, beneficiando-se de uma impunidade surpreendente. Esse é um momento extremamente
grave, e os cidadãos não podem se mostrar indiferentes e muito menos permanecer equidistantes ou neutros, diante da
alternativa entre fascismo e antifascismo. Nossa democracia é jovem e frágil, e
toda vigilância é pouca.
A Itália, como outras nações do continente, realizou nos últimos anos consideráveis esforços para se integrar economicamente à realidade concreta e operativa que é a Comunidade Européia. A
Europa, assim como todos os cidadãos
que permanecem fiéis à Constituição da
República, não aceitará que as conquistas democráticas num país como o nosso
sejam burladas.
Antonio Tabucchi é italiano, professor de língua
e literatura portuguesas na Universidade de Siena
e autor de "Os Três Últimos Dias de Fernando Pessoa" (Rocco), entre outros.
Tradução de Rubia Prates Goldoni.
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