São Paulo, domingo, 20 de maio de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

+ Livros

Sociedade malcomportada

Revista que inovou nos anos 60 ao abordar as mudanças nos comportamentos sociais, "Realidade" é tema de estudo

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se a imprensa é o reflexo da sociedade, um dos melhores espelhos dos agitados anos 60 foi a revista "Realidade", lançada em abril de 1966 pela editora Abril.
Não é por outro motivo que a publicação virou alvo predileto do mundo acadêmico, com a multiplicação do número de teses que, com recortes distintos, procuram destrinchar o fenômeno editorial que aliou, por um breve período, prestígio jornalístico e sucesso comercial.
A mais recente pesquisa desse filão é "Leituras da Revista "Realidade", 1966-1968", de Letícia Nunes de Moraes, 33.
O fato de a autora não ser nascida durante o auge de seu objeto de estudo dá a medida do fascínio que "Realidade" continua exercendo sobre as novas gerações.
O objetivo da tese é avaliar, por meio da análise da seção de cartas e das pesquisas feitas entre leitores, a recepção das polêmicas reportagens.

"Revolução moral"
A área em que "Realidade" fez diferença foi a de comportamento. O mundo estava mudando nos anos 60, e a revista acompanhava de perto a "revolução moral", como diziam seus jornalistas.
Virgindade antes do casamento, legalização do divórcio, independência da mulher, liberdade sexual, celibato eram alguns dos temas candentes, sempre abordados com viés favorável à opinião considerada moderna.
Na seção de cartas, os leitores mais aplaudiam do que protestavam. A autora não perde de vista que se tratava de um espaço controlado pela Redação e que o número de cartas publicadas pró e contra as reportagens não obedece, necessariamente, à proporção das cartas recebidas.
Ainda assim, é provável que a grande maioria aprovasse o enfoque, já que, nos três anos de sua primeira e mais importante fase, a revista chegou a ter circulação mensal de 500 mil exemplares.
Algumas cartas captavam o tom da revista, que primava pelo bom texto. Uma leitora, ao comentar a ameaça de apreensão por obscenidade do número que tratava de sexo entre jovens, escreveu: "Esse dr. Gusmão [o juiz de menores responsável pela censura] não tem muita imaginação. Ou tem muita".
Mais adiante, uma reportagem sobre preconceito racial foi assim recebida por um leitor "branco e universitário": "Não sou racista, mas às vezes não suporto a presença de um branco".
O único texto reprovado pelos leitores foi o que enfocou a homossexualidade. Em vez de denunciar o preconceito, o que estaria em sintonia com o espírito da revista, o repórter tratou a opção sexual como doença com "possibilidade de cura". Resultado: das 14 cartas editadas, dez desancaram a publicação.
Além das cartas, as pesquisas com leitores também eram usadas, como bem identifica a historiadora, para legitimar as da "Realidade".
O trabalho, porém, peca ao não desqualificar aquelas pesquisas como simples enquetes sem consistência estatística. Se elas indicavam a opinião predominante do público leitor, não traduziam o ponto de vista do brasileiro, como se queria dar a entender.
O saldo daquela primeira fase, de qualquer maneira, é amplamente favorável à revista.
É provável que um dos maiores motivos de seu êxito tenha sido achar a forma adequada -o "new journalism", o jornalismo com técnica literária, então em voga nos EUA- para relatar uma das mais rápidas renovações de costumes da história.

Declínio
Essa fase terminou em dezembro de 1968, com a saída da primeira equipe de jornalistas. Não por coincidência, foi o mês do AI-5, o ato institucional que marcou o início dos anos de maior repressão da ditadura militar.
A partir daí, "Realidade" tentou novos formatos e receitas editoriais, sem nunca mais repetir a mágica inicial. Em 1976, deixou de circular.
Com a trajetória interrompida precocemente, como a tropicália, que lhe foi contemporânea, "Realidade" não envelheceu. Talvez seja também por isso que hoje, quase quatro décadas mais tarde, ainda desperta o interesse dos jovens.
OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A História do Brasil no Século 20"(em cinco volumes, pela Publifolha).


LEITURAS DA REVISTA "REALIDADE", 1966-1968
Autora:
Letícia Nunes de Moraes
Editora: Alameda
(tel. 0/xx/11/3862-0850)
Quanto: R$ 34 (256 págs.)



Texto Anterior: Tempos difíceis
Próximo Texto: Intuição enfraquecida
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.