São Paulo, domingo, 20 de maio de 2007

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Intuição enfraquecida

Novo romance de Don DeLillo, "O Homem Caindo" traça um retrato frágil dos EUA pós-11 de Setembro

MICHIKO KAKUTANI

Nenhum escritor se mostrou tão presciente e sobrenaturalmente profético sobre os EUA do século 21 quanto Don DeLillo.
Seus romances, de "Ruído Branco" (Cia. das Letras) a "Libra" e "Mao 2ø" (Rocco), bem como o notável "Submundo" (Cia. das Letras), não só retratavam a surreal estranheza dos anos de crepúsculo do século 20 mas também conseguiam antecipar o horror do 11 de Setembro e do período sombrio que se seguiria.
Foi DeLillo quem escreveu, anos atrás, sobre a ascensão do terrorista, "o crente letal, a pessoa que mata e morre pela fé"; sobre o poder das multidões, transformadas pela mídia em turbas violentas, sobre a sedução da tecnologia e sua amplificação, sobre o brilho fácil da cultura pop e sobre a institucionalização da paranóia e das teorias conspiratórias na mente coletiva.
Infelizmente, seu truncado romance "Cosmópolis" (Cia. das Letras), de 2003, foi uma terrível decepção, e o mesmo vale para seu novo trabalho, "Falling Man" [O Homem Caindo, Scribner, 246 págs., US$ 26, R$ 52], que parece pequeno, inadequado e insatisfatório.

Janela íntima
Enquanto "Submundo" oferecia ao leitor uma janela panorâmica para a história ao acompanhar as vidas entrecruzadas de dezenas de pessoas, "O Homem Caindo" se concentra nas vidas de um homem e de uma mulher.
No caso, o homem é um sujeito meio desnorteado chamado Keith, que sobrevive ao colapso das torres escapando por uma escadaria superlotada de pessoas apavoradas e atônitas.
A mulher é Lianne, de quem Keith está separado, uma editora que trabalha como free-lancer e recebe Keith de volta em sua vida quando ele vai para sua casa no dia em que as torres desabam.
Keith, que adora jogar pôquer, é descrito como um homem de reputação bem menos que impecável. Lianne o havia expulsado de casa algum tempo antes, mas agora, depois que sobrevive à morte, acredita que ele talvez esteja mais apto a se adaptar ao seu papel de marido.
Lianne se preocupa com a saúde em declínio de sua mãe e com a compreensão de que o marchand Martin, amante de sua mãe por muito tempo, havia sido membro de algum grupo terrorista europeu nos anos 70.
Lianne também se preocupa com a aparição de um artista performático conhecido como Falling Man, um símbolo não muito sutil da arrogância envolvida em tentar produzir arte tendo o horror por matéria-prima.
Keith, que perdeu dois colegas de seu jogo semanal de pôquer no 11 de Setembro, resolve encontrar um novo emprego e começar a freqüentar uma academia. Mas afunda mais e mais na alienação.
Começa a passar cada vez mais tempo em Las Vegas, em torneios de pôquer, aparentemente sem se preocupar com o filho e Lianne, que pensa que o marido talvez esteja sofrendo de algum grave problema médico.
Presumivelmente essa vida nova oferece algo de reconfortante e anônimo, uma maneira de atenuar o choque que ele testemunhou naquele dia terrível nas torres, uma forma de escapar por meio do ritual insignificante das cartas embaralhadas e das pilhas de fichas coloridas.
Em lugar de capturar o impacto do 11 de Setembro sobre Nova York ou sobre um espectro mais amplo de sobreviventes, em lugar de iluminar o "espírito do tempo" no qual o 11 de Setembro ocorreu e o mundo em choque que os ataques deixaram, DeLillo nos oferece duas imagens pífias.
Uma, a de um artista performático reproduzindo a queda das pessoas aprisionadas nas torres em chamas.
A outra, a de um homem ensimesmado que atravessou as chamas e cinzas daquele dia e decidiu passar o futuro apostando em jogos de cartas idiotas no deserto de Nevada.

Este texto saiu no "New York Times". Tradução de Paulo Migliacci.


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