São Paulo, domingo, 20 de julho de 2008

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Livros

Sob as asas da revolução

Poeta fundamental do século 20, Maiakóvski é tema de biografia

AURORA F. BERNARDINI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Com os progressos da "transparência", que desde o início acompanhou a perestroika, tem sido possível na Rússia o acesso não apenas aos arquivos estatais mas igualmente a uma série de documentos particulares, de correspondências, de notas, que muito esclarecem aspectos de biografias até hoje incompletas ou mal interpretadas.
É o caso desta alentada "Maiakóvski - O Poeta da Revolução", que acompanha a vida do famoso poeta georgiano desde sua infância mágica e sua juventude rebelde, sob "os céus de Bagdádi", até a atual esperada revisitação de sua obra -que, depois de um estrondoso sucesso de crítica e de público até a morte de Lênin, havia "misteriosamente" desaparecido da lista da bibliografia escolar na época de Stálin, juntamente com a obliteração de seus últimos trabalhos, em particular da peça "Os Banhos".
Com o suicídio de Maiakóvski, uma vez esconjuradas a sátira que ele insistia em fazer da burocracia já invasiva do período e sua descrença na justiça social, estátuas dele foram erigidas na União Soviética inteira, "impingindo-o compulsoriamente, como a batata na época de Catarina" -dirá Pasternak-, e transformando-o em símbolo da revolução -que, na opinião do próprio poeta, há tempo havia deixado de existir.
Tirante os momentos de interpretação literária datada (o autor deixa entrever que a produção poética válida do poeta é a lírica, e não a "verbivocovisual" na qual ele tanto se sobressaiu, compondo, além de peças e roteiros, mais de 600 slogans para cartazes e anúncios que ele mesmo confeccionava) e tirante também alguns deslizes da revisão (que deixou escapar os acentos dos nomes russos, que muitas vezes receberam transliterações diferentes, bem como o encadeamento dos tempos verbais), as informações fornecidas pelo autor, vindas de fontes seguras, contribuem para a melhor compreensão de figuras e momentos da vanguarda russa pré e pós-revolução.
É o caso de cubo-futurismo, a "LEF", a REF, o Comfut e outras siglas que marcaram atividades e entidades do período socialista nas quais Maiakóvski foi a força motriz.
Entre as personalidades retratadas, salientam-se os companheiros futuristas Khlébnikov, Krutchónikh, Burliuk, Kamiénski, mas também Blok, Essiénin, Akhmátova, Pasternak, Marina Tsvetáieva, Górki, Mandelstam, Sologub, Meyerhold, Stanislávski, Rodchenko, Eisenstein (Maiakóvski foi ator de cinema de sucesso), os críticos Chklóvski, Tyniánov, Eikhenbaum e Jakobson, os pintores Lariónov, Gontcharova e Riépin -antigo mestre de Maiakóvski-pintor-, os musicistas Matiúchin e Chostakovitch etc. e as mulheres amadas pelo poeta.
Mikháilov as focaliza de perto aqui, num tom entre o folhetinesco e o naïf: "Não é fácil compreender os sentimentos de T.A. Iakovleva, se era amor, se era uma atração forte...".
Enquanto se mostra duro e percuciente em relação ao conhecido triângulo Lília-Maiakóvski e o conivente Óssip Brik, "que deixou passar outros casos de amor de Lília Iurievna, mesmo depois de casada com Primakov (já após a morte de Maiakóvski)".

Casal turbulento
O casal Brik, diante de certas descobertas, passa a adquirir contornos sombrios. Não apenas Lília se teria beneficiado financeiramente do sucesso e dos direitos autorais de Maiakóvski (apartamentos, carros, porcentagens), mas teria sido diretamente responsável -pois ligada à NKVD por meio de certo I. Agránov, alto funcionário do Departamento de Iágoda e futuro homem de confiança de Stálin, que freqüentava as "terças-feiras" do círculo da "LEF" por ela regidas-, pela não concessão de passaporte e pela proibição de Maiakóvski viajar ao estrangeiro.
Esse fato foi fundamental em sua vida e teria marcado o início do processo de depressão do poeta.
Por interessar a Lília "mantê-lo sob suas asas", mesmo quando findo seu relacionamento conjugal, ela teria se valido dos meios mais escusos para desfazer qualquer outro laço sentimental de Maiakóvski considerado ameaçador, inclusive com Elli Jones, a mãe de sua filha, que o poeta manteve sempre secreto, provavelmente desconfiando das intrigas de Lília.
Não há dúvida, porém, diante da mensagem que o poeta deixou ao morrer, que Lília Brik ocupou sempre, edipianamente ou menos, um lugar decisivo na vida do poeta.


AURORA F. BERNARDINI leciona teoria literária e literatura comparada na USP.

MAIAKÓVSKI
- O POETA DA REVOLUÇÃO

Autor: Aleksandr Mikháilov
Tradução: Zoia Prestes
Editora: Record
(tel. 0/xx/21/ 2585-2000)
Quanto: R$ 68 (560 págs.)


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