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+ história
Bombas pensantes
"Diários de Kamikazes" analisa
as motivações
dos pilotos suicidas japoneses
na 2ª Guerra
DAVID PILLING
Kamikaze significa
"vento divino". A
palavra foi usada pela primeira vez para
descrever o tufão
que destruiu em 1281 a frota de
Kublai Khan, salvando o Japão
da invasão mongol.
Os kamikazes de 1945 tiveram menos sucesso. Os pilotos
que se tornaram bombas humanas foram incapazes de proteger seu país da invasão, tampouco o imperador -cujo nome, dizia-se, era pronunciado
pelos aviadores antes de morrer- da derrota e humilhação.
Para muitos ocidentais, os
kamikazes são protótipos dos
homens-bomba modernos, fanáticos dispostos a matar a si
próprios e aos inimigos por
uma causa maior. Para alguns
no Japão, os kamikazes ainda
são idealizados como puros defensores do espírito japonês.
Emiko Ohnuki-Tierney, uma
professora norte-americana,
não aceita isso. Para ela, que é
autora de "Kamikaze Diaries
-Reflections of Japanese Student Soldiers" [Diários de Kamikazes - Reflexões dos Estudantes Soldados Japoneses,
University of Chicago Press,
232 págs., 16 libras, R$ 65], os
kamikazes, que eram principalmente "voluntários" das
universidades de elite, eram almas sensíveis enviadas à morte
por um governo militar vilão.
Ela descobre jovens soldados
não-fanáticos, mas eruditos,
meditativos, muitas vezes liberais, tentando entender o significado da vida à sombra da
morte iminente.
Ela traduz e interpreta os
diários de seis estudantes. O de
Norimitsu Takushima, por
exemplo, mostra como um devoto do romantismo, ardorosamente contrário ao florescente
nacionalismo japonês, se
transforma em alguém pronto
para morrer, "combatendo para alcançar a harmonia deste
universo".
Takushima presta exame para ser contador da marinha
não-combatente, mas é registrado como piloto qualificado.
Com a aproximação da morte,
debate-se para compreender
seu destino de "morrer como
uma folha de árvore enrugada".
Outro piloto se compara a
um sashimi humano, "uma carpa sobre a tábua de cortar". O
diário de Takushima demonstra, como os de outros pilotos,
uma surpreendente gama de
leituras. Ele devorou, muitas
vezes no original, obras de Gide, Rimbaud, Keats, Hobbes,
Marx, Nietzsche e outros pensadores que pudessem ajudá-lo
a encontrar sentido em um
mundo em desintegração.
Em 1940 ele escreve com
certa pompa: "A idéia de que alguém é patriota e, portanto, se
sacrificaria é um pensamento
para as massas imbecis... Eu
defendo o contato e o intercâmbio livres entre os povos do
mundo". Em 1944, ele diz sobre
sua morte iminente: "Estou
contente por fornecer motivos
bons e belos para meu ato
-nosso sacrifício".
Para ele e para os outros pilotos, a estética de um Japão
idealizado começa a se infiltrar
na idéia de uma morte bela.
Defesa martelada
Ohnuki-Tierney presta um
serviço valioso ao mergulhar,
além do estereótipo, nas mentes desses estudantes assustados e pensativos.
Ocasionalmente, porém, o livro parece mais uma tese de
doutorado em que a defesa repetitiva de seus heróis condenados atrapalha sua própria
eloqüência. Por exemplo, há
um certo alarde sobre sua ampla leitura, como se isso os tornasse menos merecedores da
chacina que outros.
A autora também se esforça
demais para distanciar os kamikazes dos terroristas suicidas. Certamente, como ela indica, eles atacaram alvos militares, e não civis. Eles também
não engoliam de boa vontade a
ideologia do culto ao imperador. Eram sobretudo soldados
enviados em missões fatais, como milhões de outros homens
enviados para matar e serem
mortos nas guerras.
Mas alguns pilotos kamikazes têm uma semelhança mais
que ligeira com os homens-bomba, vítimas da propaganda,
iludidos a aceitar a morte como
mártires. Nos próximos anos,
os diários de jihadistas também
poderão fornecer visões interessantes dos violentos conflitos ideológicos de hoje.
Este texto foi publicado no "Financial Times".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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