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Droga de vida
Influenciado por Wilde
e Stevenson, Irvine Welsh volta à boa forma em
novo romance
sobre o submundo da sociedade escocesa
MELISSA MCCLEMENTS
Em 1993, Irvine Welsh
sacudiu o mundo literário com a torrente
de obscenidades, violência escatológica e
hedonismo movido a drogas de
"Trainspotting" (Rocco) -seu
romance sobre um grupo de viciados em heroína de Edimburgo, mais tarde transformado no filme "cult" estrelado por
Ewan McGregor. Seu sucesso
mundial fez Welsh se tornar o
escriba da geração química
-um autor que trouxe para a
superfície a subcultura das
drogas dos anos 90.
Welsh seguiu sua brilhante
estréia com uma série de sucessos: a coletânea de contos
"The Acid House" [A Casa do
Ácido, 1994]; seu segundo romance, "Marabou Stork Nightmares"; e três romances em um
volume, "Ecstasy - Three Tales
of Chemical Romance" [Ecstasy - Três Contos de Romance
Químico, 1996].
Mas essa última coletânea,
com seu título pesado, parece
quase uma autoparódia e marcou o início de um declínio da
força do autor. "Filth" [Podridão, 1998], a história de um policial sociopata, e "Glue" [Cola,
2001], sobre quatro meninos
que crescem num conjunto habitacional, foram insossos.
Parecia que a proeza de
Welsh estava minguando conforme chegava ao fim a era da
dance music, à qual estava intimamente associado.
Mas felizmente havia mais
na obra de Welsh do que pílulas, emoções e bastões luminosos. Em 2002, "Porno" (Rocco)
-que retoma os personagens
de "Trainspotting"- anunciou
um retorno à forma, e seu último romance, "The Bedroom
Secrets of the Master Chefs"
[Segredos de Alcova dos Mestres Cozinheiros, ed. Jonathan
Cape, 400 págs., 10,99 libras,
R$ 45] brilha com o dinamismo, o humor negro e a ousadia
imaginativa de Welsh em seus
melhores momentos.
A história apresenta o alcoólatra e mulherengo Danny
Skinner e seu arquiinimigo,
Brian Kibby -um entusiasta
de modelos de trens e de caminhadas na natureza.
O título é enganador: os
chefs-celebridades e suas aventuras sexuais têm papel secundário na narrativa. Skinner e
Kibby têm 20 e poucos anos e
trabalham como fiscais de restaurantes no departamento de
saúde ambiental da Prefeitura
de Edimburgo, onde Skinner se
irrita constantemente com o
servilismo de Kibby para com
seu chefe, Bob Foy.
Maldição
Certa noite, em uma bebedeira desenfreada, Skinner
amaldiçoa Kibby. Mais tarde,
seu rival aparece com um vírus
misterioso, enquanto ele mesmo pára de sofrer os efeitos
posteriores de suas habituais
noitadas de bebidas e drogas.
Skinner chega à percepção de
que seu alter ego está suportando as repercussões físicas de
seu próprio mau comportamento. Desfrutando dessa bizarra inversão dos fatos, ele
submete seu colega a uma série
incessante de ressacas, com um
pouco de violência futebolística incluída em boa medida.
É somente quando Kibby
precisa sofrer um transplante
de fígado que Skinner começa a
assumir a responsabilidade por
seus destinos entrecruzados.
Ao contrário dos outros romances de Welsh, neste atuam
evidentes influências literárias.
As duas principais são até citadas no texto, como leituras favoritas do pai de Kibby, Keith.
"O Estranho Caso do Dr.
Jekyll e do Sr. Hyde", de Robert
Louis Stevenson, é a mais óbvia, com os personagens polarizados do hedonista e egoísta
Skinner e o bonzinho Kibby se
misturando em um só. O outro
é "O Retrato de Dorian Gray",
de Oscar Wilde. O infeliz Kibby
é uma versão viva do quadro no
sótão que suporta todo o sofrimento no lugar de Dorian.
Como sempre, a imaginação
sombriamente febril de Welsh
criou algumas cenas que não
são para corações delicados
-especialmente uma cena de
sexo muito visual com uma
mulher velha, quase no final do
livro. O desejo do autor de chocar com o máximo de detalhes
repugnantes e fluidos corporais pode parecer púbere -mas
seu humor mordaz e a pura vibração de sua escrita mais que
compensam essa tendência.
Com seus retratos da classe
trabalhadora escocesa, da violência e da dependência de álcool e drogas e os temas da exclusão social e de pais ausentes,
"Segredos de Alcova dos Mestres Cozinheiros" não representa um afastamento radical
de Welsh. Mas o humor e a segurança criativa garantem que
ele continua sendo um dos autores atuais mais estimulantes.
Este texto foi publicado no "Financial Times".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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