São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006 |
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+ livros O macho abatido
"Domados",
de Susan Faludi,
e "Feito Homem", de Norah Vincent, invertem a equação feminista e pedem mais direitos ao sexo masculino
As análises ali contidas são inconsistentes e esdrúxulas, pois, subjacentes às traições públicas, que vagam na incoerência de um discurso de um e outro personagem importante (para nós, meros desconhecidos), está presente a deserção dos pais que prometeram aos filhos um mundo que nunca existiu. Ao lado desse "motivo", temos o que ela chama de "cultura ornamental", que abriu mão da utilidade em favor da exibição pessoal e da idéia de celebridade. Travesti às avessas Os homens são hoje, segundo ela, escravos do glamour, sendo a mídia aquela que molda esses "papéis ornamentais". Essas são as supostas razões para a crise da masculinidade e para a fragilização dos homens. Em "Feito Homem", Norah Vincent narra a sua experiência de ter se "travestido" de homem e, por meio dessa metamorfose, auxiliada por um especialista em maquiagem, relata a sua incursão por nichos masculinos: uma liga masculina de boliche, clubes de striptease e até mesmo um mosteiro masculino, entre outros. O cerne do livro consiste exatamente nessa experiência, pois, como ela diz, "coisas muito reais e profundas podem acontecer sob a capa de uma falsidade". Valorizando seu feito, complementa: "As verdades que aprendi e vivenciei não teriam se revelado de outra maneira". Sem seriedade Da mesma forma que Faludi, Vincent insiste em constatar a fragilidade do homem americano contemporâneo: "As pessoas vêem fraqueza numa mulher e querem ajudar. Vêem fraqueza num homem e querem esmagá-la". O livro é recheado de observações sobre essa presumida fragilidade e sobre os fardos que os homens têm que carregar para cumprir seus mandatos e responsabilidades masculinas. Ambos estão bem longe de ser estudos sérios sobre o tema (Vincent tem o mérito de reconhecer isso). Adotam uma perspectiva vitimária e fazem generalizações indevidas. São livros bastante ligados à realidade norte-americana, e, no primeiro deles, torna-se praticamente impossível acompanhar com interesse longas reportagens adensadas de falas e detalhes supérfluos que em pouquíssimos momentos lançam luz, quando o fazem, sobre algo além daqueles episódios específicos. No caso de "Feito Homem", deve-se levar em conta o fascínio que os americanos têm por agentes que se metamorfoseiam em caricaturas e estereótipos e que, ao lado de cenas de tribunais, freqüentemente se apresentam em suas produções cinematográficas. "American obsessions". As autoras pensam que o fato de serem mulheres e de se declararem feministas torna mais legítimas as acusações de que os homens têm sido vítimas de sua própria condição de gênero. Um simples postulado sociológico -de que o decoro associado às posições sociais de poder costuma ser mais restritivo do que aqueles relacionados às posições subalternas- seria suficiente para explicar porque os fardos são maiores para os machos; afinal de contas são eles que ainda hoje detêm a supremacia dentro da hierarquia simbólica de gênero. Ou não? Como se os homens precisassem de mais direitos do que já têm, chega a ser hilário o apelo de Vincent para que eles desencadeiem um movimento análogo ao feminismo: "Os homens ainda não conseguiram seu movimento (...). Eles têm esse direito". O homem liberta Nada supera, no entanto, a "idéia" de Susan Faludi, segundo a qual a libertação dos homens é necessária, pois só eles podem ajudar na libertação das mulheres e das populações subordinadas: "É por isso que essas populações têm tanto interesse na libertação da única população em condição extraordinária para descobrir e utilizar um novo paradigma -os homens". Com um feminismo desse tipo, alguém precisa de chauvinismo? PEDRO PAULO DE OLIVEIRA é professor de sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor de "A Construção Social da Masculinidade" (UFMG/Iuperj). DOMADOS - COMO A CULTURA TRAIU O HOMEM AMERICANO Autor: Susan Faludi Tradução: Talita Rodrigues Editora: Rocco Quanto: R$ 77,50 (644 págs.) FEITO HOMEM Autor: Norah Vincent Tradução: Magda Lopes Editora: Planeta Quanto: R$ 34,90 (304 págs.) Texto Anterior: Droga de vida Próximo Texto: Lançamentos Índice |
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