São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002

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O desgosto teórico de Greenberg


"Estética Doméstica" reúne ensaios produzidos nos anos 70 pelo defensor do expressionismo abstrato


Estética Doméstica
288 págs., R$ 32,00 de Clement Greenberg. Trad. de André Carone. Ed. Cosac & Naify (r. General Jardim, 770, 2º andar, CEP 01223-010, SP, tel. 0/ xx/11/ 3218-1444).

Juliana Monachesi
free-lance para a Folha

Donald Judd e o minimalismo em geral, assim como James Rosenquist e toda a arte pop representam o universo da produção em artes visuais de que o crítico norte-americano Clement Greenberg (1909-94) jamais conseguiu dar conta. O teórico por trás do movimento expressionista abstrato nos Estados Unidos, Greenberg reescreveu a história da arte segundo o conceito de planaridade -demonstrando que cada passo da vanguarda visava a afirmar o aspecto antiilusionista da pintura e, assim procedendo, possibilitar que a arte pudesse ser puramente auto-reflexiva, portanto autônoma (cujo ápice teria se dado no expressionismo abstrato de um Jackson Pollock). E demonstra em seus textos tardios, reunidos em "Estética Doméstica", o desgosto com a ruína do projeto estético moderno.
Dividido em nove ensaios publicados entre 1973 e 1979 em revistas especializadas (parte 1) e nove seminários proferidos no Bennington College (EUA) em abril de 1971 (parte 2), o livro compreende considerações gerais sobre experiência e juízo estéticos, fundamentadas, em geral, no pensamento de Kant, e ácidos comentários sobre a "autoproclamada arte avançada", como a "subtradição" criada por Duchamp, em tempos em que "a operação do gosto é considerada excessivamente trivial para ser admitida".
Ora, "sem a aplicação do gosto, não há diálogo acerca da arte enquanto arte" e "ali onde não há juízo de valor estético nem veredicto de gosto, também não há arte, tampouco qualquer tipo de experiência estética", afirma. Greenberg parte da idéia de que os veredictos de gosto não podem ser comprovados nem demonstrados como afirmações factuais, lógicas e científicas. O único critério possível de decisão entre um verso de T.S. Eliot e um de William Watson ou uma pintura de Ingres e uma de Delacroix seria o da impessoalidade.
Muitos dos parâmetros adotados por Greenberg para qualificar a experiência estética aplicam-se também à criação. No terceiro ensaio, Greenberg avança na tese da objetividade do gosto. Já se tentou sem sucesso descobrir constantes na avaliação estética, com base em métodos experimentais, para chegar a uma predição ou descrição das operações do gosto.
E, no entanto, a durabilidade de certos juízos estéticos comprovam que o "melhor gosto" é, em última análise, objetivo, referindo-se à excelência de obras do passado que se impuseram.
Greenberg discorre no quarto ensaio, "O Fator Surpresa", sobre a experiência estética enquanto interação entre expectativa e satisfação, ou seja, a ruptura deve transcorrer lado a lado com certa continuidade. No que toca às vanguardas, cujo lema era a inovação constante, a regra é a mesma, já que o que a vanguarda fez foi apenas explicitar um direcionamento que a "arte superior" desde sempre trouxera implícito. A continuidade da vanguarda, que ele aqui não nomeia, há de ser a depuração da planaridade e crescente autonomia alcançadas pela arte.

Decisões arbitrárias
"A qualidade na arte parece, de certa perspectiva bastante real, ser diretamente proporcional à densidade ou ao peso da decisão que foi tomada em sua realização." Aí reside o motivo por que Greenberg considera menor a arte minimalista, como a de Judd: apesar de o tamanho, proporções, material e cor de uma escultura modular repetida monotonamente no espaço trazer em si certas "decisões-juízo", estas são arbitrárias diante daquelas de uma pintura de Kandinsky.
Aqui o autor depara-se com mais um dos problemas apresentados pela arte "pós-moderna" (como se convencionou chamar certa produção artística, como a pop e o minimalismo, a partir dos anos 60), o do "artista cínico", que substitui intuições espontâneas (ou "decisões-juízo") por vontade e cálculo.
Essas decisões deliberadas, que ele denomina de "não-estéticas", seriam indícios de pavor, que o artista sente por divergir demais da "melhor arte do passado ou mesmo do presente". Mas é difícil imaginar que Andy Warhol tomasse suas decisões deliberadas em relação à "melhor arte do passado" movido pelo pavor. Segundo o crítico, todo artista original sente esse pavor em alguma medida, mas opta por permanecer fiel a suas intuições.
Ainda no caso de Warhol, porventura não estaria sendo fiel em suas obras cínicas à intuição de que a arte aurática chegara ao fim?, uma entre tantas perguntas que Greenberg deixa sem resposta.



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