São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002

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Ponto de fuga

Olhos redondos e queixos pontudos

"Otaku", "chibi", "animê" são palavras de iniciados. Elas pertencem a um universo derivado dos mangá, quadrinhos japoneses que fazem furor, há décadas, entre os jovens. Otaku denomina os fãs dos animê, filmes de animação. Chibi são bichinhos imaginários e engraçados, que aparecem com frequência nesses desenhos.
Para quem está de fora, fica difícil entender o vocabulário, as referências, os meandros, que exigem erudição particular. Adultos, distantes de tudo isso, tendem à condenação imediata, ao desprezo, sem olhar mais de perto. Contudo, afastando os preconceitos, muitas dessas animações revelam-se obras-primas de poesia. Algumas estão sendo lançadas, em DVD, pelo Studio Gabia. A primeira foi "Vampire Princess Miyu", que reúne três dos episódios criados para a TV japonesa pelo casal Narumi Kakinoushi e Toshihiro Hirano. Miyu é uma vampiresa, e não uma vampira, já que o "Aurélio" assinala o primeiro como o feminino correto: são os responsáveis pela edição brasileira desse DVD que insistem na forma justa.
Miyu apresenta o aspecto de uma menina. É triste, solitária e nada maligna. Age em benefício dos humanos. Luta contra os Shinma, entidades que sugam almas, comprazendo-se com morte e destruição. A violência, no entanto, é antes latente que exposta; os cenários realistas, ruas, escolas, metrôs, não são investidos por efeitos gráficos espetaculares. Discretos, eles se tingem de delicadeza e de uma estranha melancolia.

Alice - No recente Festival de Cinema do Rio de Janeiro foi apresentado um longa de animação realizado por Hayao Miyazaki: "A Viagem de Chihiro". Com "Totoro", "Porco Rosso", "Princesa Mononoke", o gênio de Miyazaki foi se impondo cada vez mais ao Ocidente. "Chihiro", ao mesmo tempo inquietante e bem-humorado, mostra um inacreditável desencadear de situações inesperadas, em que a imaginação parece ter perdido todas as rédeas. Miyazaki conta que não se serve de um roteiro.
"Não tenho a história terminada e pronta quando começamos a trabalhar num filme. A história começa quando eu começo a desenhar. Nunca sabemos onde a história irá. (...) Sem uma história prévia, cada cena torna-se crucial." Isso conduz a uma intensidade constante. O diretor acrescenta: "Há uma ordem interna, as demandas da própria história, que me conduzem à conclusão".
Ele parte sempre do mundo que conhecemos.
Chihiro é uma garotinha de 10 anos que nada tem das Lolitas tão presentes nos animê. Está indo, com os pais, de mudança para uma casa nova. No meio do caminho, encontram uma espécie de parque temático em abandono. Os pais descobrem comida, se empanturram até... virarem porcos. Há uma casa de banho para deuses cansados, um trem que avança sobre a superfície aquática, um bebê gigante, filho de bruxa anã e malvada. Há um deus-rio que agoniza por causa das águas poluídas. Há, ainda, crença nas crianças, que trazem uma promessa de redenção para os tempos presentes, grosseiros e materialistas.

Fontes - Hayao Miyazaki discorre: "Penso que crianças também podem sentir nostalgia. É uma das emoções mais compartilhadas pela humanidade. É uma das coisas que nos fazem humanos e por isso é tão difícil de definir. Ao ver o filme "Nostalgia", de Tarkóvski, compreendi que a nostalgia é um sentimento universal". E ainda: "Nós todos nos parecemos com porcos, com nossas barrigas redondas. Eles são próximos de nós. Gosto deles".

Penumbra - Faz dois domingos, foi escrito nesta coluna que a mostra Rugendas, apresentada no Memorial da América Latina, em SP, parecia mal iluminada. Os organizadores explicam: "A exposição não está mal iluminada. O museu Prussiano e o Instituto Ibero-americano de Berlim exigiram que a iluminação deveria manter-se entre 50 a 70 lux para proteger a pintura sobre papel. Na exposição estamos controlando a iluminação próxima do máximo permitido, ou seja, 70 lux". Obras frágeis exigem luz atenuada. Nestes casos, é bastante difícil regular, de maneira homogênea, a distribuição luminosa sobre o conjunto exposto.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br


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