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POLÍTICA
Gore Vidal descreve como as vigilâncias eletrônica e política de
combate às drogas e ao terrorismo estão pondo em risco os direitos
constitucionais dos americanos
A guerra interna
GORE VIDAL
especial para a "Vanity Fair"
A maioria dos americanos de
certa idade consegue recordar
exatamente onde estava e o que estava fazendo no dia 20 de outubro
de 1964, quando foi divulgada a
notícia da morte de Herbert Hoover (1874-1964, 31º presidente dos
EUA, entre 1929-33). O coração e a
mente da nação pararam. Mas
quantos se recordam de quando e
como tomaram consciência, pela
primeira vez, da revogação de alguma das dez emendas à Constituição?
Para mim, foi em 1960, numa
festa em Beverly Hills, que recebi a
má notícia do ator alegre por natureza Cary Grant. Ele acabara de
vir de Nova York. Contou que pegara sua passagem num balcão da
companhia aérea no aeroporto de
Idlewild, de estilo magicamente
antiquado, cujo próprio nome refletia nossa condição (em inglês,
"idle" significa ocioso, e "wild",
selvagem).
"Havia estas garotas lindas atrás
do balcão, e estavam felicíssimas
em me ajudar, ou pelo menos foi o
que disseram. Assinei alguns autógrafos. Pedi a uma das moças que
me desse minhas passagens. De repente ela ficou muito séria. "O senhor tem algum documento de
identificação?', perguntou." (Alguns amigos bem informados me
disseram que a "premissa" dessa
história é, no momento, a base de
uma série de comerciais de TV do
cartão de crédito Visa, que eu não
vi.) Eu estaria exagerando se dissesse que senti um friozinho na espinha naquela noite em Beverly
Hills, anos atrás. Na verdade,
achamos graça, apenas. Mas, por
um instante, me perguntei se o futuro não teria pisado de leve sobre
nossa vala comum.
Curiosamente, foi mais uma vez
Cary Grant quem me deu, com a
leveza de sempre, a notícia de que
a própria privacidade vive suspensa por um fio tênue. "Um amigo
que está em Londres me ligou hoje
de manhã", disse. Era 4 de junho
de 1963. "Geralmente usamos codinomes, mas desta vez ele se esqueceu. Então, depois de ele perguntar por mim, eu disse ao aparelho: "Saia da linha, St. Louis.
Você também, Milwaukee', e assim por diante. As telefonistas
adoram ficar ouvindo as conversas alheias. De todo modo, depois
de conversarmos o que tínhamos
que conversar, ele perguntou:
"Quais são as últimas fofocas de
Hollywood?'. Eu lhe disse: "Lana
Turner continua tendo um caso
com aquele jogador de beisebol
negro'. Uma das telefonistas que
ouviam nossa conversa soltou um
grito: "Oh, não!'."
Tempos de inocência. Hoje em
dia, enquanto a mídia e o Congresso cantam seu hino, "brilha,
brilha, pequeno Starr, como nos
perguntamos o que você é" (brincadeira baseada numa canção de
ninar: "Twinkle, twinkle, little
star, how I wonder what you are"),
presume-se que o presidente atual
não tenha direito algum à privacidade, já que, você entende, a polêmica toda gira em torno do sexo,
não da verdade, coisa que nunca
rendeu muito na vida política. Enquanto o nome de Cary Grant lhe
garantia uma platéia de telefonistas admiradoras, nós, outros, éramos geralmente ignorados. Isso
naquela época.
Hoje em dia, em meio às guerras
gêmeas, que nunca serão ganhas,
contra as drogas e o terrorismo, 2
milhões de conversas telefônicas
são interceptados por agentes da
lei todo ano. Quanto ao famoso
"local de trabalho", no qual tantos americanos se vêem confinados por força da necessidade, "o
abuso diário das liberdades civis...
é uma vergonha nacional", segundo um relatório de 1996 da
União Americana em Defesa das
Liberdades Civis (Aclu).
Um dos fatos constatados no relatório é que entre 1990 e 1996 o
número de trabalhadores submetidos à vigilância eletrônica aumentou de 8 milhões por ano para
mais de 30 milhões. Simultaneamente, os empregadores escutam,
por meio de grampos, estimados
400 milhões de conversas telefônicas por ano -algo como 750 por
minuto. Em 1990, as grandes empresas submeteram 38% de seus
funcionários a exames de urina
para detectar o possível uso de
drogas.
Em 1996, mais de 70% dos funcionários foram sujeitos a esse tipo de interferência. O recurso à lei
não tem dado resultados encorajadores. Na verdade, a Suprema
Corte da Califórnia vem defendendo o direito dos empregadores públicos de aplicar exames para detecção de uso de entorpecentes
não apenas aos funcionários encarregados de pilotar aviões a jato
ou proteger nossas fronteiras contra o imperialismo panamenho,
mas até àqueles que apenas passam um pano no chão.
A corte também decidiu que os
governos podem submeter candidatos a empregos a exames de detecção de drogas e álcool. A decisão foi inspirada pela iniciativa da cidade-Estado de
Glendale, Califórnia, que
queria submeter a exames
todos os funcionários que
eram candidatos a promoções. Foi aberto um processo
contra a prefeitura de Glendale, baseado
na alegação de
que ela estaria
violando a Quarta Emenda Constitucional, que protege os cidadãos contra "revistas e apreensões injustificáveis".
A posição de Glendale foi avalizada pela Suprema Corte da Califórnia, mas o juiz Stanley Mosk escreveu uma nota de discordância:
"Os exames para a detecção de
drogas representam uma significativa violação adicional dos direitos básicos de privacidade e dignidade dos candidatos... e a prefeitura não conseguiu demonstrar que
tal violação se justifica no caso de
todos os candidatos a quem é oferecido um emprego".
No último ano ou dois tive duas
revelações ao estilo Cary Grant,
mas consideravelmente mais graves do que o que acontecia nos
bons e velhos tempos em que vivíamos relativamente livres do Estado. Um conhecido casal de atores e seus dois filhos vieram me fazer uma visita no verão. Foram tiradas fotos dos dois filhos, de quatro e seis anos de idade, brincando
no mar, nus. Quando o casal voltou a sua casa, em Manhattan, o
pai deixou os negativos numa farmácia para serem revelados. Mais
tarde, recebeu um telefonema ansioso do farmacêutico, felizmente
amistoso: "Se eu revelar estas fotos terei que registrar queixa contra você, e você pode pegar cinco
anos de cadeia por prática de pornografia infantil". A guerra contra a pornografia infantil está se
intensificando, embora Wardell
Pomeroy, o colega de Alfred Kinsey em suas pesquisas sexuais, tenha me assegurado, certa vez, que
a incidência de pedofilia é tão pequena que mal chega a figurar na
tela estatística -é mais ou menos
comparável à dos rapazes da zona
rural e seus amigos animais.
Sempre foi um marco da liberdade americana o fato de que, diferentemente dos países que vivem
sob constante vigilância napoleônica, não somos obrigados a portar documentos de identificação
para mostrar a policiais e burocratas curiosos. Mas agora, devido ao
Terrorismo, cada um de nós é barrado em aeroportos e obrigado a
mostrar um documento identificador que deve incluir uma foto
(algo que, como Alá sabe muito
bem, nenhum terrorista jamais
ousaria falsificar).
Em Chicago, depois de uma entrevista com Studs Terkel, me
queixei do fato de que, como não
tenho carteira de motorista, sou
obrigado a carregar um passaporte em meu próprio país, como se
fosse cidadão da antiga União Soviética. Terkel tinha o mesmo problema. "Me pediram minha identidade -com foto- num aeroporto no sul do país, e eu disse que
não tinha nada a não ser o jornal
da cidade, com uma grande foto
minha na primeira página, que
mostrei a eles, mas disseram que
isso não era um documento de
identidade. Mas acabaram por se
cansar de mim e me deixar subir
no avião."
Recentemente venho repassando estatísticas sobre terrorismo
(em geral, respostas diretas a crimes cometidos por nosso governo
contra estrangeiros -se bem que,
ultimamente, também tenha aumentado o número de crimes federais contra nossa própria população). Aviões comerciais americanos foram destruídos em pleno
vôo por terroristas em apenas
duas ocasiões em 12 anos; nenhum
dos dois vôos havia partido dos
Estados Unidos. No entanto, para
prevenir uma repetição desses crimes, centenas de milhões de viajantes estão sendo sujeitados a revistas, apreensões e atrasos.
O molestamento de cidadãos, em
seus aspectos mais avançados,
ainda se encontra em fase incipiente. Apesar disso, novos artefatos, cada vez mais caros, estão
chegando ao mercado -e, dentro
em breve, a um aeroporto perto de
sua casa-, incluindo a máquina
dos sonhos de todos os adolescentes em fase de atividade hormonal
aguda. O sistema "Body Search"
(Revista Corporal) de Detecção de
Contrabandos, criado pela American Science and Engineering, envia um raio X que atravessa as roupas para revelar o corpo nu da pessoa, e essa imagem, ampliada, pode ser projetada numa tela para ser
sujeita a análise lasciva.
O orgulhoso fabricante do aparelho se gaba de que a imagem é
tão nítida que até mesmo umbigos
podem ser vistos piscando para os
voyeurs, a não ser que estejam repletos de cocaína e recobertos por
fita adesiva. Segundo relatório da
Aclu, o sistema também inclui
uma "opção de zoom, ativada por
"joystick'", com a qual o operador pode ampliar partes interessantes da imagem.
Enquanto isso, a vítima permanece, conforme observa orgulhosamente a American Science and
Engineering, totalmente vestida.
Os pedidos do aparelho devem ser
endereçados ao reverendo Pat Robertson e serão atendidos na ordem de chegada, e o orgulhoso
proprietário de um "Body
Search" será automaticamente
incluído no banco de dados de Degenerados Sexuais, classe B, do
FBI.
Enquanto isso, em fevereiro de
1997, a comissão "Al" Gore solicitava a aquisição de 54 aparelhos
"high tech" de detecção de bombas, conhecidas como CTX 5000.
Trata-se de scanners de bagagem
que custam por baixo US$ 1 milhão cada e cuja manutenção vai
custar US$ 100 mil por ano, cada
um. Infelizmente, o CTX 5000 é
capaz de visualizar 250 malas por
hora, o que significaria que seriam
necessários talvez 1.000 deles para
"proteger" os passageiros nos
principais aeroportos contra
aqueles dois supostos terroristas
que possivelmente -ou possivelmente não- irão atacar outra vez
nos próximos 12 anos, como fizeram duas vezes nos 12 anos passados. Como o sistema atual de exame de bagagens parece ser razoavelmente eficiente, por que sujeitar os passageiros a horas de atraso, sem falar em mais de US$ 54
milhões de custos para a compra
dos aparelhos?
No momento, são aplicadas diretrizes um tanto quanto confusas
para ajudar os funcionários das
companhias aéreas a reconhecer à
primeira vista alguém que se encaixa no "perfil" de um terrorista
potencial. Evidentemente, qualquer pessoa de pele mesmo ligeiramente amorenada e que tiver
um "fez" (um tipo de boina usada com frequência por homens do
Oriente Médio) na cabeça é detida
no ato. Para os terroristas que não
parecem encaixar-se no "perfil",
os órgãos governamentais relevantes oferecem as seguintes dicas
sobre comportamentos que traem
a presença de malfeitores.
Um astuto traficante de drogas
geralmente é a primeira pessoa a
sair do avião, a não ser, é claro,
que seja realmente astuto e opte
por ser o último a descer. Os supercriminosos mais experientes
muitas vezes preferem ficar no
meio. Loiras jovens e desacompanhadas muitas vezes são usadas, à
sua revelia, para transportar bombas ou drogas que lhes são entregues por sósias de Omar Shariff
em sinistros bazares orientais.
Ao chegarem na terra da liberdade, enormes cães farejadores de
drogas serão soltos em cima delas.
Existe um "porém" infeliz: esses
detetives caninos frequentemente
interpretam como portadoras de
drogas mulheres que estão menstruadas -o tipo de situação que
quebra qualquer gelo e provoca risadas alegres em toda a área da alfândega.
Parece que uma dica totalmente
segura de comportamento é o nervosismo do passageiro -se bem
que o supercriminoso, mais uma
vez, pode também aparentar estar
calmo até demais. De qualquer
maneira, seja qual for a regra maluca aplicada, o agente da alfândega tem todo direito de tratar qualquer pessoa como criminosa sem
dispor de prova alguma -de
apreender e revistar sem, é claro,
passar pelos devidos procedimentos previstos em lei.
Drogas. Se não existissem, nosso governo as teria inventado, para poder proibi-las e assim tornar
boa parte da população vulnerável
à detenção, prisão, apreensão de
bens e assim por diante. Em 1970,
escrevi no "The New York Times":
"É possível acabar com a maior
parte da dependência de drogas
nos Estados Unidos num prazo de
tempo muito curto. Seria preciso
simplesmente fazer com que todas
as drogas fossem disponíveis aos
interessados e vendê-las ao preço
de custo. Cada droga seria vendida
com um rótulo que detalhasse
com precisão o efeito -bom ou
mau- que ela exerce sobre quem
a toma. Para isso seria necessária
uma honestidade heróica. Não se
poderia dizer que a maconha gera
vício ou traz perigos, quando ela
não faz nenhuma dessas duas coisas, como sabem milhões de pessoas -diferentemente do
"speed', que mata de morte extremamente desagradável, ou da heroína, que pode produzir dependência e da qual é difícil se livrar.
Ao lado de exortações e avisos, poderia ser salutar para nossos cidadãos recordarem (ou serem informados pela primeira vez) que os
Estados Unidos foram criados por
homens que acreditavam que cada
pessoa tem o direito de fazer o que
quiser com sua própria vida, desde
que não crie obstáculos à busca de
felicidade de seus próximos (se a
idéia de felicidade desses próximos consiste em perseguir outras
pessoas, isso realmente confunde
as coisas um pouquinho)". (...)
A mídia vive deplorando a cultura das drogas e culpando diversos
países estrangeiros, como a Colômbia, por obedecerem à lei férrea da demanda e oferta à qual
nós, enquanto nação e enquanto
noção, juramos fidelidade eterna.
Também nos comprazemos no
uso de metáforas militares. Os czares lideram nossos exércitos em
guerras contra os traficantes e os
usuários de drogas. Tão grande é
essa emergência permanente que
não podemos mais nos dar ao luxo
de tolerar coisinhas como o habeas corpus e a obediência ao processo da lei.
Em 1989, o ex-czar das drogas e
imbecil de programas de entrevista na TV William Bennett sugeriu
a abolição tanto "de jure" quanto
"de facto" do habeas corpus em
processos ligados a drogas, além
de (não estou inventando isto) a
decapitação em público dos traficantes. Um ano mais tarde, o aiatolá Bennett declarou: "Não encontro mérito algum nos defensores da legalização das drogas. O fato puro e simples é que o uso de
drogas é errado. E, em última análise, o argumento moral é o mais
contundente".
É claro que aquilo que esse perigoso comediante considera moral,
James Madison e o estadista e redator das emendas à constituição
George Mason, de Virgínia, teriam
considerado bobagem perigosa,
especialmente quando sua suposta
moralidade abole o presente que
eles legaram a todos nós, as dez
emendas à Constituição americana, que tratam dos direitos fundamentais dos cidadãos desta nação.
Mas Bennett não está só em sua
loucura. Em 1984, um assistente
especial do presidente para a questão do abuso de drogas declarou:
"Não é possível deixar passar uma
droga e dizer: "Esta aqui não tem
problema'. Nós traçamos uma linha demarcatória. Não existem
drogas leves'".
Lá se vai o Tylenol-3, que contém codeína. Quem diria que paliativos cujo uso se originou há
tanto tempo poderiam tão facilmente tomar o lugar da única religião nacional que os Estados Unidos jamais tiveram de fato, o anticomunismo? (...)
Quando o sr. e a sra. Clinton vieram a Washington, verdes como a
grama das colinas do Arkansas e
ainda com os rostos ruborizados
por seus mergulhos em rios de
corredeiras ("whitewater", referência ao caso de supostas operações imobiliárias fraudulentas
realizadas nos anos 70 e 80 pelo
casal Bill e Hillary Clinton), tentaram dar à população americana
um sistema de saúde desse tipo,
um pequeno presente simbólico
em troca de todo o dinheiro pago
em impostos e gasto na "defesa"
contra um inimigo que, malandro, desabou enquanto olhávamos para o outro lado. Diante da
primeira sugestão de que já era hora de nos juntarmos ao mundo civilizado, teve início uma vasta
conspiração para impedir a criação de qualquer tipo de serviço nacional de saúde. Ela não foi obra
apenas da "direita", como sugeriu a sra. Clinton. As seguradoras e
empresas farmacêuticas se uniram
a elementos da Associação Médica
Americana para acabar para sempre com qualquer idéia de que pudéssemos ser um país que supre
seus cidadãos de qualquer coisa
em matéria de saúde.
Um dos problemas de uma sociedade tão rigidamente controlada quanto a nossa é que recebemos tão poucas informações sobre
o que estão pensando e sentindo
realmente aqueles de nossos compatriotas a quem nunca iremos conhecer ou ver. Soa como paradoxo, quando se leva em conta que a
maior parte da política feita hoje
em dia envolve sondagens constantes de opinião sobre o que parecem ser todos os temas concebíveis, mas, como sabem os políticos e os institutos de pesquisas, é a
formulação dada à pergunta que
vai determinar a resposta. Além
disso existem áreas imensas, como
a zona rural do país, que são desconhecidas pelos donos das grandes empresas às quais pertencem
os meios de comunicação que gastam bilhões de dólares para fazer
sondagens visando a eleição de
seus advogados para altos cargos.
Ruby Ridge, Waco, Oklahoma
City. Três alarmes tocados desde
um interior sobre a qual a maioria
de nós que habitamos as grandes
cidades nada sabe. Qual seria a
causa da ira dos residentes rurais?
Em 1996 houve 1.471 fusões de
grandes empresas norte-americanas, no interesse da chamada
"consolidação". Foi o maior número de fusões na história do país
e representou o pico de uma tendência que vinha crescendo no
mundo da agricultura desde o final dos anos 70. Uma coisa que tinham em comum as vítimas de
Ruby Ridge e Waco e Timothy
McVeigh, que cometeu assassinato em massa em seu nome, em
Oklahoma City, era a convicção de
que o governo dos EUA é seu inimigo implacável e que sua única
salvação consiste em esconder-se
em local isolado ou numa comunidade que gira em torno de uma
figura messiânica ou, para vingar
o assassinato a sangue frio de dois
membros da família Weaver, em
Ruby Ridge, cometido por agentes
federais, em explodir o edifício
que abrigava a sede do órgão responsável pelos assassinatos.
Para fazer justiça à mídia, ela
tem sido inabitualmente generosa
conosco ao tratar do tema das
crenças religiosas e políticas dos
dissidentes rurais. Existe uma
"Nação Ariana" neonazista. Há
fundamentalistas cristãos conhecidos como "Identidade Cristã"
ou, alternativamente, como o "Israelismo Britânico". Toda essa
baboseira de inspiração bíblica
deitou suas raízes mais fundas nos setores
cujas terras
agrícolas foram arrebatadas na última
geração. Desnecessário dizer que os demagogos cristãos atiçam as
chamas do
ódio racial e
sectário na televisão e, ilegalmente, injetam dinheiro
das igrejas em
campanhas políticas.
Hoje, teorias conspiratórias
crescem no interior dos EUA como demências precoces de floração noturna, e seus admiradores
são, invariavelmente, alvos de
zombaria por parte de -pasmem!- os próprios conspiradores de fato. Joel Dyer, em "Harvest of Rage: Why Oklahoma City
Is Only the Beginning" (Colheita
de Ira: Por que Oklahoma City É
Apenas o Começo), trouxe à tona
algumas conspirações muito reais
lá fora, mas os conspiradores
eram macacos velhos na arte de
desviar a atenção deles mesmos.
Uso de drogas? Será que você não
sabia que a rainha Elizabeth 2ª é a
chefe global do comércio mundial
de drogas (pena que a pobre Lillibet não se precaveu, nestes tempos
republicanos em que vivemos!)?
Eles nos informam que a Comissão Trilateral é uma conspiração
comunista de âmbito mundial
chefiada pela família Rockefeller.
Na verdade, a comissão é um
exemplo excelente para mostrar
como os Rockefeller aglutinam à
sua volta políticos e candidatos a
acadêmicos de respeito, para servir a seus interesses comerciais
dentro e fora do governo. Quem
convenceu alguém como Lyndon
LaRouche a dizer que essa Cosa
Nostra Rockefeller é, na realidade,
uma fachada comunista, estava
verdadeiramente inspirado.
Mas Dyer trouxe à tona uma
conspiração atual e genuína que
afeta a todos nos Estados Unidos.
Hoje um punhado de conglomerados agroindustriais está fazendo o
que é preciso para expulsar de suas
terras os pequenos agricultores remanescentes no país. Para isso, os
paga sistematicamente menos por
sua produção do que custa aos
agricultores produzi-la e, com isso, os força a pedir empréstimos
aos bancos dos conglomerados,
hipotecar suas terras, sofrer a execução de suas hipotecas e a venda
de suas terras às agroindústrias
controladas por grandes empresas.
Mas será isso realmente uma
conspiração, ou não passa do funcionamento darwiniano de um
mercado eficiente? Desta vez, pelo
menos, dispomos de uma prova
viva, sob a forma de um plano que
descreve a melhor maneira de livrar o país dos pequenos agricultores. Dyer escreve: "Em 1962, o
Comitê de Desenvolvimento Econômico era composto por aproximadamente 75% dos mais poderosos executivos de empresas do
país. Eles representavam não apenas a indústria alimentícia, mas
também a indústria petrolífera e
de gás natural, as seguradoras, os
setores de investimento e varejista.
Quase todos os grupos que tinham
a ganhar com a consolidação estavam representados nesse comitê.
Seu relatório ("Um Programa de
Adaptação para o Setor Agrícola')
esboçava um plano visando eliminar fazendas e agricultores. Era
detalhado e bem desenvolvido".
Simultaneamente, "já em 1964,
congressistas ouviam de gigantes
industriais como a Pillsbury,
Swift, General Foods e Campbell
Soup que o maior problema do setor agrícola era o excesso de fazendeiros". Psicólogos argutos, os
executivos-chefe haviam notado
que os filhos de agricultores,
quando chegam à faculdade, raramente retornam à fazenda familiar. Ou, como disse um economista famoso a um senador famoso que se queixava de "jet lag"
num vôo noturno entre Nova
York e Londres, "não deixa de ser
melhor do que trabalhar na lavoura". O comitê convenceu o governo a enviar os filhos de fazendeiros
à faculdade. Como já era previsto,
a maioria não voltou para suas fazendas. Então o governo se ofereceu para ajudar os fazendeiros a se
transferirem para outros tipos de
trabalho, permitindo que suas terras fossem consolidadas em conglomerados cada vez maiores pertencentes a um número cada vez
menor de corporações.
Assim foi posta em andamento
uma conspiração para substituir o
ideal jeffersoniano de uma nação
cuja espinha dorsal seria a fazenda
familiar independente por uma série de monopólios agroindustriais,
em que, escreve Dyer, "entre cinco e oito multinacionais têm sido,
para todos os efeitos, as compradoras e transportadoras únicas da
produção de grãos não apenas
norte-americana, mas mundial".
Em 1982, "essas empresas já controlavam 96% das exportações
norte-americanas de trigo, 95%
das de milho" e assim por diante.
A consolidação tem sido boa para os consumidores? Ao todo, pesando os prós e contras, não. Os
monopólios não abrem espaço para barganhas, nem precisam preocupar-se demasiadamente com
qualidade, já que não temos alternativa ao que nos oferecem. Desnecessário dizer que são hostis aos
sindicatos e indiferentes às condições de trabalho dos antes agricultores independentes, hoje empregados mal pagos. Aqueles de nós
que crescemos nos EUA do
pré-guerra conhecíamos o sanduíche de presunto legítimo. Desde a
consolidação, o presunto passou a
ser tão emborrachado que não
tem sabor de nada, enquanto sua
textura é a de um plástico
cor-de-rosa. Por quê? Nas grandes
criações de porcos, estes permanecem em um só lugar, em pé, durante toda sua vida. Como não se
locomovem, nem fuçam na terra,
não criam resistências naturais às
doenças. Isso significa que muitas
drogas são injetadas no corpo dos
prisioneiros até sua morte e transfiguração em presunto incomestível.
A legislação antitruste Sherman
já ficou para a história, de modo
geral. Hoje, três empresas controlam 80% do mercado total de carne embalada. Como isso se deu?
Por que os agricultores despossuídos não têm representantes no
Congresso a quem se voltar? Por
que os consumidores são obrigados a adquirir produtos inferiores
aos de épocas anteriores e cujos
preços são determinados por processos insondáveis?
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