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O show deve continuar
Em "A Guerra Está em Nós", Marques Rebelo faz a crônica do Rio de início dos anos 1940
ANTONIO PEDRO TOTA
ESPECIAL PARA A FOLHA
No documentário
"Redescobrindo a
Segunda Guerra",
exibido pelo canal
National Geographic, a guerra estava em todos
os lugares. E estava no Rio de
Janeiro, segundo a pena de
Marques Rebelo, aliás, Edi Dias
da Cruz. "A Guerra Está em
Nós" (1968) faz parte da trilogia "Espelho Partido".
É a crônica de um Rio de Janeiro ingênuo e paradoxalmente cheio de malícia na época da Segunda Guerra. Deliciosa crônica de uma cidade que
ficou no imaginário, de uma
época em que o Rio era o Cassino da Urca, onde o cineasta Orson Welles comandava um
grande show com a participação da orquestra de Carlos Machado e suas coristas.
Enquanto Rommel, "o astuto
estrategista, desfechou espetacular golpe no deserto, retomando em horas o que os ingleses penosamente conquistaram", Maria Berlini meio embriagada segura, com claros objetivos de sedução, a mão de
Eduardo, o dublê de personagem e autobiografado.
O Rio da época da guerra fica
ainda mais sensual, sublime,
sedutor e carnavalesco na pena
de Marques Rebelo.
O futebol do preferido América se confundindo com a permanência das práticas religiosas do "sininho rachado do asilo convoca para a missa três vezes na manhã". E a religiosidade da amiga beata coexistindo
com o comportamento "liberal" de Vivi Taveira, que "continua provocante cheia de dengos oriundos de um longo bem
sucedido hábito de seduzir".
"Brilha na sociedade, forma
na primeira linha das elegantes, põe chifres no ministro..."
Num dos primeiros registros
de janeiro de 1942, diz que os
"aliados passam da defensiva
para a ofensiva". Talvez o distanciamento (o livro foi escrito
23 anos depois de finda a guerra) tenha ajudado a confundir
um pouco as informações.
Sabemos que, embora a
União Soviética tivesse repelido o ataque nazista a Moscou,
os aliados estavam ainda se
preparando para uma possível
mudança de estratégia. A ofensiva demoraria ainda algum
tempo para tornar-se realidade
nos teatros de guerra.
Guerra, Carnaval e crítica
política. Vargas é um personagem constante. Destaque para
o "raposismo" político do presidente brasileiro. As músicas e
peças de teatro que -passadas
pela censura- iam ao público
faziam Vargas rir dele mesmo,
apesar do paradoxal controle
do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda).
A literatura e a crítica literária estavam presentes. Contentamento de saber que "Cangaço", de Euloro Filho com tradução de Isaac Rollemberg, foi
largamente elogiado pelo crítico do "The New York Tribune".
Os amigos se comunicavam
muito por carta. Trocas de cartas numa época em que os telefones não eram para todos. Falavam em código, muitas vezes
de difícil compreensão. Quase
um código de guerra.
As vitórias aliadas na invasão
da Itália pelas forças de Patton
e Montgomery foram vistas
por Rebelo como uma "faca entrando na manteiga". O entusiasmo do autor só pode ser entendido pela torcida a favor dos
anglo-americanos.
Ora, a campanha da Itália foi
considerada uma das mais difíceis na frente ocidental. Tudo,
menos faca na manteiga.
Papel em branco
As batalhas de Krakov, de
Kusrk, das Filipinas, nossos navios afundados no litoral brasileiro, o Blackout, os discursos
de Vargas, as picuinhas dos intelectuais contra o Estado Novo, o Manifesto dos Mineiros e
as primeiras fissuras no regime
varguista surgem como flashes.
Mas há, no livro, uma guerra
subjacente. A guerra para escrever, vencer as resistências
diante do papel em branco, depois a guerra para ser publicado
e, principalmente, para ser
amado pelos amigos que eram
"obrigados" a ler originais e
emitir opiniões. De preferência
favoráveis.
Guerra pelo amor das mulheres. Guerra por concepções estéticas de conhecidos artistas
plásticos.
Não há exagero no texto da
orelha, de Luciano Trigo: Rebelo é um "herdeiro de Manuel
Antonio de Almeida, Machado
de Assis e Lima Barreto" em
sua paixão pela cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro.
ANTONIO PEDRO TOTA é professor de história
na Pontifícia Universidade Católica-SP.
A GUERRA ESTÁ EM NÓS
Autor: Marques Rebelo
Editora: José Olympio (tel. 0/ xx/21/
2585-2060)
Quanto: R$ 54 (592 págs.)
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