|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O colapso do desenvolvimento
Seis economistas debatem saídas para a crise
Marcos Augusto Gonçalves
Editor de Opinião
Marcos Antonio Cintra
da Equipe de Editorialistas
O país onde todos se consideram técnicos de futebol vai
se transformando no país onde todos têm uma opinião sobre a taxa de juros ou a cotação do dólar. Se em
todo lugar, mesmo nas regiões mais desenvolvidas do
planeta, as oscilações da economia afetam a vida do cidadão
comum, no Brasil esse fenômeno chega ao paroxismo. Nas últimas décadas, uma seqüência de planos e pacotes se abateu sobre a sociedade brasileira. Congelamentos, depósitos retidos,
tablitas, empréstimos compulsórios, contribuições provisórias, enfim, um longo rol de medidas de emergência e mudanças de regras serviu para confirmar que algo estava realmente
indo mal na área econômica.
Talvez o Plano Real, em 1994, ao obter êxito no controle da inflação, tenha criado a impressão de que os tormentos estivessem por acabar. As crises de 1999 e a de 2002, com um apagão
no meio do caminho, evidenciaram, porém, que a economia
continua sendo um dos grandes problemas -senão o maior-
do país.
Neste número, o Mais! procura discutir a crise do desenvolvimento e as perspectivas para superá-la. O caderno propôs as
seguintes questões a economistas filiados a diferentes tendências:
1. Quais as razões da crise do desenvolvimento brasileiro nos últimos 25 anos?
2. Que políticas implementar para retomar
o desenvolvimento econômico e social?
Os economistas Carlos Lessa, Maria da
Conceição Tavares e Luiz Gonzaga Belluzzo
respondem pelo pensamento vinculado ao
desenvolvimentismo, embora críticos da experiência histórica a ele associado. Em linhas gerais, compartilham a idéia de que o
Estado deve ter papel de liderança na indução ao investimento e no planejamento do
desenvolvimento econômico do país.
Lessa é o atual presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), cargo para o qual foi indicado
por Maria da Conceição Tavares, professora
emérita da Universidade Federal do Rio de
Janeiro e da Unicamp e ex-deputada federal pelo PT. Belluzzo,
com quem Conceição assina artigo a quatro mãos, também é
professor da Unicamp -e foi um dos articuladores do Plano
Cruzado, no governo Sarney.
Em campo oposto, Gustavo Franco, presidente do Banco
Central nos primeiros anos do governo Fernando Henrique
Cardoso, foi um dos gestores do Plano Real e ideólogo da reforma liberal que se sucedeu à crise do modelo desenvolvimentista. Franco filia-se ao chamado "grupo da PUC-RJ" (Pontifícia
Universidade Católica), ao lado de nomes como André Lara
Resende, Pérsio Arida e Edmar Bacha, os formuladores do Plano Real.
Completam a lista Luiz Carlos Bresser-Pereira e Luiz Carlos
Mendonça de Barros, ambos ligados ao PSDB, mas com diferenças em relação às políticas adotadas pelo governo tucano.
O primeiro foi ministro da Fazenda e autor de um plano de
estabilização, que levou seu nome, durante o governo de José
Sarney. Posteriormente colaborador do presidente Fernando
Henrique Cardoso, foi um crítico do uso abusivo do câmbio
para conter a inflação, opondo-se a Gustavo Franco, então no
BC. Mendonça de Barros também participou da administração
FHC e, como Bresser, nutria divergências em relação à política
econômica tucana. Foi e permanece como um duro oponente
do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan e do "malanismo".
Classificado como um "desenvolvimentista", Mendonça de
Barros, no entanto, mantém relativa distância em relação a Lessa e Conceição.
Em perspectiva histórica, o Brasil cresceu de forma acelerada,
acima de 7% ao ano, entre 1937 e 1980. Foi um período marcado pela passagem da economia exportadora
de café para a economia urbano-industrial,
produtora de bens de consumo de massa. As
características principais do "nacional-desenvolvimentismo", transformado em política
real, foram a intervenção do Estado em setores
estratégicos (petróleo, energia e telecomunicações) e a internacionalização da estrutura
produtiva, com incorporação restrita das
massas ao mercado de trabalho e ao consumo.
Já em meados dos anos 70, economistas se
davam conta da exaustão desse modelo, que
se baseou na chamada "substituição de importações". Com o choque de juros causado
pelo aumento da taxa norte-americana, em
1979, a elevação dos preços do petróleo, a redução da demanda externa, e a contração do
fluxos de capitais bancários a partir de 1980, as
condições de financiamento externo da economia brasileira deterioram-se profundamente. A expansão das exportações e a
contração das importações tornaram-se os principais mecanismos do ajuste, promovido pelo ministro Delfim Netto no ocaso
da ditadura militar, do colapso do padrão de financiamento externo da economia.
A crise do Estado desenvolvimentista, que se esgarçou ao longo da década de 80, com explosão da inflação, baixo crescimento
e altos endividamentos interno e externo, acabou por ser enfrentada, na década seguinte, por uma reação de perfil liberal, deflagrada de forma atabalhoada pelo presidente Fernando Collor de
Mello. Tratava-se de conter as funções empresariais do Estado,
reservando-lhe papel regulador, promover privatizações e estimular a competitividade com maior abertura comercial. Ganhou projeção a crítica, formulada inicialmente em escolas norte-americanas e instituições como o FMI e o Banco Mundial, ao
modelo de industrialização centrado no Estado.
Para o grupo de economistas da PUC-RJ, do qual participava
Gustavo Franco, "o processo de abertura, através de seus efeitos
sobre o dinamismo tecnológico do país, definiria os contornos
básicos do novo ciclo de crescimento". A abertura comercial e financeira dos anos 90 permitiu o uso da âncora cambial para conter a inflação e de taxas de juros elevadas para atrair capitais externos. No entanto a valorização da cotação do real e as reduções
das tarifas alfandegárias, que já vinham desde os anos Collor, levaram a um extraordinário crescimento das importações e à desaceleração das exportações.
A onda de investimento estrangeiro direto nos anos 90 ocorreu
fundamentalmente mediante operações de fusões e aquisições,
muito diferente, portanto, do processo de instalação e expansão
das filiais das grandes empresas transnacionais nos anos 50 e 60.
Além disso, frustraram-se as expectativas quanto aos impactos
positivos sobre as exportações dos investimentos das corporações transnacionais. A lógica setorial desses investimentos (voltados para o atendimento do mercado interno nas áreas de telecomunicações, energia elétrica, bancos etc.) e a maior propensão
a importar das empresas estrangeiras contribuíram para criar
um forte desequilíbrio no comércio exterior do país. A assimetria entre o ritmo acelerado de crescimento dos passivos externos e a queda na dinâmica das exportações tornou-se o principal
obstáculo ao crescimento sustentado da economia.
Desde então, o país passou por duas graves crises cambiais, seguidas de drásticas elevações dos juros, aumentos de impostos e
recessão, para conter as repercussões do aumento da cotação do
dólar sobre os índices de inflação. É a chamada dinâmica do
"vôo da galinha" ou do "stop and go": crescimento descontínuo
e medíocre.
A ascensão ao poder do Partido dos Trabalhadores, já despido
de suas pretensões socialistas, criou a expectativa de que haveria
mudanças importantes na condução da política econômica,
com apoio dos setores produtivos. O PT comprometia-se a contrastar a lógica financista que se apoderou da economia, recobrar a capacidade de planejamento do Estado, implementar políticas industriais e enfatizar o crescimento. Não foi, porém, o
que se viu até aqui.
Diante da necessidade de debelar uma forte crise de confiança,
a nova equipe econômica, no afã de construir sua credibilidade,
acabou por aprofundar algumas das linhas da política econômica anterior. No primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da
Silva, a economia encolheu 0,2% e o desemprego aumentou. Natural que os debates sobre o que fazer para conduzir o país a um
processo de crescimento sustentado voltem à cena com renovado interesse.
Texto Anterior: + autores O direito ao casamento gay Próximo Texto: Desenvolvimento como imperativo econômico Índice
|