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Ponto de fuga
O enterro dos velhos
Em "Cowboys do Espaço", Clint Eastwood mostrava
quatro velhos chegando muito perto da morte. Eram
audaciosos, porém, e faziam o heroísmo sobreviver em
tempos mesquinhos. Encerravam gloriosamente a vida
longa, melhores, mais fortes, mais hábeis que os moços.
Últimos portadores de grandeza, com eles extinguia-se
um passado de bravos. Isso aconteceu quando o milênio despontava, há apenas quatro anos, que parecem
muito mais.
Hoje, estão em cartaz três filmes que, embora díspares, diversos no tom e feitos em países muito diferentes,
contam a mesma história. São eles: o alemão "Adeus,
Lênin!", de Wolfgang Becker; o canadense "Invasões
Bárbaras", de Denys Arcand, e o americano "Peixe
Grande", de Tim Burton. Neles, filhos preparam os pais
para a morte. Nada de dramáticos confrontos, como
nos tempos da psicanálise. Antes, reconciliações nas
quais os jovens suavizam os últimos dias dos moribundos. Nos três casos, esse acompanhamento final impõe
a maquiagem do mundo. Aos filhos cabem as "realidades" atuais; aos velhos, velhas crenças e velhas fantasias.
Sonhos antigos, pareciam verdades na época recuada
em que eram moços. Os filhos demonstram sentimentos intensos. Compreendem a importância das ilusões
vindas do passado e, no presente, passam a alimentá-las. O gesto é de afeto piedoso.
Tal coincidência das três situações centrais sugere um
sintoma contemporâneo de perda, nada amargo, porém. Eram histórias de vida em tempos antigos, tempos
de convicções heróicas. Enterram-se as ilusões com os
iludidos, cheios de generosa ingenuidade. O mundo,
agora, é outro.
Ascese - Nenhum criador no século 20 adquiriu tão fortemente o papel de clássico quanto Hitchcock. Entenda-se clássico aqui como o modelo melhor, como a referência almejada e secreta da obra perfeita. Não há pintor, escritor ou músico que tenha assim se imposto às
gerações seguintes nesse pedestal canônico. Ninguém
tenta refazer "Guernica", o "Pierrot Lunaire" ou "Em
Busca do Tempo Perdido". Em 1998, no entanto, Gus
van Sant filmou de novo "Psicose", buscando o rigor
das mesmas tomadas e da mesma montagem. Um exercício cujo caráter é disciplinar, determinado pela busca
dos processos e, sem dúvida, pela emulação.
É outra coisa, e bem diversa, daquilo que ocorre nos
filmes de Brian de Palma. Neste caso, Hitchcock surge
como fecundador, como o estimulante a modos livres,
como trampolim para a invenção que dá magníficos
saltos ornamentais. Gus van Sant tem ambição de outro
tipo: quer entrar na pele do criador, tentando assim
roubar seus segredos.
"O Pagamento", de John Woo, para quem Hitchcock
é também a fonte inspiradora, oferece impressão semelhante. De um modo próximo ao de Gus van Sant, há
nele um espírito estrito e ascético, como se o cineasta
quisesse por em cheque o caráter "barroco", tão espetacular em seus primeiros filmes. Tudo possui ironia e finura. Muito do que ele mostra parece mais importante
para o diretor do que para o público, o que solicita delicada cumplicidade, feita de matizes.
Fraternidade - Talvez uma contradição de superfície
tenha atenuado a indulgência da crítica. Embora se destine a grandes audiências, "O Pagamento" é uma obra
confidencial. Não se movimenta com facilidade ao contar sua história mirabolante. Mas isso também parece
fazer parte das regras e dos limites de um jogo. Como o
princípio estrito da imitação, passo a passo, que Gus
van Sant fez de "Psicose". Nos créditos de "Psicose",
Gus van Sant agradece a John Woo por ter emprestado
a faca de cozinha usada pelo assassino.
Sonhos ruins - "Pânico na Floresta", de Rob Schmidt,
com poucos recursos e poucos efeitos especiais, é apavorante. O tom de pesadelo e de delírio culmina em estranha caçada humana que se passa no alto de árvores.
A angústia torna-se então regressiva, como num retorno aos primitivos terrores dos primatas. Filme de referências, é um híbrido de "Delivrance" e de "O Massacre
da Serra Elétrica". Pode lembrar ainda, pelo caráter maléfico da floresta, "Evil Dead" ("Uma Noite Alucinante"), de Sam Raimi.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br
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