São Paulo, domingo, 21 de junho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

USP USP USP comparada

Universidade de Cambridge por Maria Lúcia Pallares-Burke

A convite da Folha, Maria Lúcia Pallares-Burke, Leopoldo Bernucci e Katia Mattoso discutem o que diferencia a principal universidade brasileira de suas congêneres em Camdridge, Paris e Califórnia

Três renomados acadêmicos respondem ao seguinte questionário:
1 - Como avalia a atual greve da USP e os confrontos dela decorrentes (como entre reitoria e grevistas)?

2 - Em que uma greve em universidades estrangeiras difere de uma greve na USP?

3 - Como avalia o sistema universitário brasileiro em comparação aos estrangeiros?

4 - Grevistas argumentam que o cargo do reitor da USP não representa a instituição, pelo fato de a escolha do cargo ser feita pelo Poder Executivo. Quais critérios norteiam a escolha de professores nas universidades em que trabalhou?

5 - Qual é a imagem da universidade pública brasileira junto das instituições acadêmicas estrangeiras? Em sua opinião, ela tem ampliado seu respaldo científico-institucional no exterior?

DA REDAÇÃO

Leia abaixo trechos da entrevista concedida pela historiadora Maria Lúcia Pallares-Burke. (EUCLIDES SANTOS MENDES)

 


1
É difícil, ou mesmo impossível, avaliar de longe a atual greve da USP. Mas confesso que tenho a triste sensação de um "dejà vu".
Tenho recebido comunicados da reitoria dirigidos ao "caro servidor", justificando a presença da Polícia Militar no campus como algo que se tornou necessário para a "defesa dos princípios democráticos" -devido a ação de "grupos de militantes políticos profissionais", que há décadas estariam atuando na universidade.
Por outro lado, também recebo informações de professores e estudantes da USP que apresentam um quadro totalmente diferente, em que o direito democrático para demonstrações [de insatisfação] e greves estaria sendo enfrentado pela direção da universidade com autoritarismo, insensatez e violência.

2
Fala-se hoje no Reino Unido em uma redescoberta do poder da ação direta, da ação das greves, em vários setores, incluindo fábricas e universidades, e envolvendo piquetes como forma de persuasão.
Esse foi o caso da recente greve do metrô de Londres [em 10/ 6], mas sem que isso desencadeiasse violência policial. Neste ano, por exemplo, houve uma onda de greves e de ocupações, muitas com resultados, não só na indústria como nas universidades.
No caso das indústrias, tratava-se, em muitos casos, de reação às medidas tomadas por seus dirigentes diante da crise econômica -como despedir empregados sem aviso prévio e sem pagamento.
No caso das universidades, de janeiro a março deste ano, houve o que tem sido descrito como a "maior onda de ocupações de universidades" desde a década de 1960. Naquela época, o motivo principal era [a manifestação contra] a Guerra do Vietnã [1957-75], enquanto neste ano tem sido a violência contra os palestinos em Gaza.
Em 35 universidades britânicas, estudantes invadiram parte de suas unidades e em muitas delas obtiveram ganhos como, por exemplo, bolsas de estudos para palestinos. As greves de professores no Reino Unido são organizadas nacionalmente pela Associação dos Sindicatos de Professores Universitários e, pelo que sei, foram eles que organizaram as últimas greves de 2006 e 2004 para reivindicar aumento de salário.
A greve consistia na não entrega das notas dos exames finais dos alunos. Essas disputas foram, e têm sido, geralmente resolvidas por negociações, sem nenhuma participação da polícia -algo impensável aqui. No caso dos estudantes, apesar de também haver uma associação nacional, as ações são em geral tomadas separadamente em cada universidade.
Normalmente, não fazem greves propriamente, mas o que chamam de "sit-in", ou seja, invasões de prédios do campus, que vão desde salas de aula, teatros e escritórios administrativos até as salas do próprios reitores.

3
Comparando as melhores universidades britânicas com as melhores brasileiras, o que chama a atenção, no caso do Brasil, é a combinação de excelência com falta de recursos.
A quantidade de dinheiro privado e público que, por exemplo, a Universidade de Cambridge recebe para pesquisa -que permite haver um professor para cada dez alunos e riquíssimas bibliotecas- necessariamente repercute na sua produção.

4
O reitor não é eleito diretamente pela comunidade acadêmica. É anunciado o posto, e um comitê de professores analisa as "applications" [pedidos de candidatura]. O comitê leva em consideração sobretudo a capacidade administrativa dos candidatos.
Aqui os postos universitários têm de ser anunciados publicamente nos jornais e todos os candidatos devem submeter, junto com seus papéis, uma lista de pessoas a quem a instituição pedirá referências. Os candidatos selecionados são entrevistados e fazem, em geral, uma apresentação pública de seu projeto de trabalho ou dão uma aula.
Em geral, após três anos, a pessoa pode ser efetivada. Nesse processo de seleção, as referências são essenciais e privilegiam aqueles que têm o respaldo dos nomes mais eminentes no seu campo. Isso significa que quem fez o doutorado na Inglaterra, e especialmente com um supervisor de renome, tem uma grande vantagem em relação a outros candidatos vindos de instituições de menor prestígio ou menos conhecidas.
Há também a questão cultural, pois mesmo uma pessoa de renome de outra cultura dificilmente saberá escrever a carta no tom e nos dizeres que repercutem positivamente entre os examinadores locais. Quanto à avaliação das várias universidades, isso é feito a cada cinco anos, quando os departamentos são examinados por acadêmicos de outras instituições. A verba dada pelo governo a cada instituição depende do resultado desse Exercício de Avaliação de Pesquisa, que data dos anos 1980.


As greves são resolvidas por negociações, sem a presença da polícia, impensável no Reino Unido


5
Muitas pessoas das universidades inglesas nada sabem sobre a USP e desconhecem o fato de ela ser a melhor universidade da América do Sul, segundo pesquisa de 2008 [realizada pelo Institute of Higher Education da Shanghai Jiao Tong University] sobre as melhores universidades do mundo [a USP subiu da 128ª para a 121ª posição no ranking].
Com certeza há cientistas que conhecem alguns de seus laboratórios e equipes de pesquisa, mas, de modo geral, e especialmente no campo das humanidades, o desconhecimento é generalizado. Haveria, pois, muito a ser feito para difundir no exterior as realizações da USP. E isso tem de partir do Brasil, pois se trata de lutar contra um desinteresse e uma ignorância seculares sobre a cultura brasileira.

MARIA LÚCIA PALLARES-BURKE é professora aposentada da USP e pesquisadora associada do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Cambridge. É autora de "Gilberto Freyre - Um Vitoriano dos Trópicos" (ed. Unesp), entre outros livros.



Texto Anterior: Entenda o processo eleitoral
Próximo Texto: Universidade de Paris por Katia Mattoso
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.