São Paulo, domingo, 21 de junho de 2009

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Universidade de Paris por Katia Mattoso


DA REDAÇÃO

A seguir, leia trechos da entrevista concedida por telefone pela historiadora Katia Mattoso. (ERNANE GUIMARÃES NETO)

 


1
Sempre se diz que o governo federal atual deve muito ao professorado da USP. Em torno do presidente [Lula], pelo menos nos primeiros anos, havia uma presença muito marcante de docentes, principalmente da USP, das áreas de sociologia, história etc. Não sei se continua assim... Outra coisa é a consciência política que se tem e as reações diante de problemas que são, na realidade, de sobrevivência.
Mas é um problema em todo o mundo. Eu, por exemplo, ensinei na Sorbonne, uma das mais tradicionais e mais arcaizantes, do ponto de vista político, universidades de Paris. Nessa universidade, houve uma greve iniciada em fevereiro e que terminou há apenas três semanas [no final de maio, as aulas foram retomadas, mas ainda há protestos].
Nas greves, as lideranças são uma minoria muito bem preparada para mobilizar os alunos. Eles têm técnica, sabem como devem fazer. Na Sorbonne é assim também.

2
No caso da Sorbonne, as reivindicações não eram salariais, mas sim contra o governo, que queria introduzir medidas que não foram aceitas pelos professores, sobre transformação no funcionamento dos departamentos.
Em todos os países que conheço, mesmo na Grécia [onde vive], a greve é uma coisa recorrente, que passou a ser um recurso mesmo para questões que poderiam ser solucionadas muito rapidamente.
Falta boa vontade para o diálogo entre os que fazem reivindicações e os que estão do outro lado. Na Grécia, vi greves durarem seis meses. São apoiadas pelo corpo discente. Na França, essa foi uma greve de protesto pela soberania da universidade em relação ao ministério da Educação, que quis fazer reformas sem se haver entendido com o corpo docente. O acordo foi entre o corpo docente e o corpo discente; formou-se uma resistência muito grande.
É interessante que a adesão foi de todas as partes: da mais extrema esquerda à mais extrema direita. Na Grécia também há consenso entre estudantes e professores. A situação não é como antigamente, quando havia mais greve de estudantes que de professores.

3
As universidades recebem muito mais alunos do que realmente pode. Há uma desproporção entre o corpo docente e o discente. A carga horária de um professor na Sorbonne é de seis horas por semana, no máximo -incluindo seminários. E mesmo assim os franceses acham muito.

4
Na França o reitor é eleito pelo corpo docente e pelo corpo discente, por meio de conselhos. O governo não pode fazer nada, pois as universidades são independentes -a independência data da época medieval: ninguém toca nelas. É o modelo mais apropriado. Que conhecimento tem o governador da realidade de uma universidade para julgar quem seria o mais capaz para ela?

5
Quando fui candidata ao posto de história do Brasil [na Sorbonne], numa das instâncias da universidade que votam pelos novos professores alguém se levantou e objetou a meu nome porque "soube" que eu seria de esquerda. Só porque eu vinha do Brasil, eu teria de ser de esquerda. Nunca fiz política nenhuma -não sou de direita, tampouco do Partido Comunista...

FOLHA - Os movimentos grevistas na França partem de sindicatos?
MATTOSO
- De sindicatos, sim, mas na Sorbonne todos aderiram. Mas não tem nada a ver com as greves da época em que eu morava no Brasil. Após um mês, tudo entrava em ordem; agora, não: há um mal-estar generalizado. Quando eu ensinava no Brasil, as greves duravam muito menos tempo do que agora. Na França os professores irão dar um mês e meio de aula para cobrir um semestre; na Grécia é assim também. Há que perguntar o que é que se aprende num semestre desses. Os professores, apesar de aderirem à greve, no final se sentem culpados, pois os alunos mal veem a matéria.

FOLHA - Apesar dessa preocupação, na greve francesa deste ano os alunos mantiveram piquetes e fecharam instituições...
MATTOSO
- Sim, havia inclusive professores que davam aulas fora da universidade, porque estava fechada. O mais interessante é que a greve na Sorbonne começou com gente mais à esquerda, mas todo o corpo docente aderiu -com raríssimas exceções.

FOLHA - A Sorbonne representa a mentalidade política francesa?
MATTOSO
- A Sorbonne é conhecida por abrigar professores de direita, mas nos últimos anos tem havido um princípio de abertura, com mais pessoas de centro-esquerda. O corpo discente, como de hábito, tem de tudo. Todas as universidades francesas são obrigadas a terem como alunos pessoas advindas de todos os meios sociais.

KATIA MATTOSO aposentou-se como professora emérita de história do Brasil em Paris 4 e lecionou na Universidade Católica de Salvador e na Universidade Federal da Bahia. É autora de "Ser Escravo no Brasil" (Brasiliense).



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