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Autor de "Histórias da Moda", Didier Grumbach diz que grandes costureiros, como Saint Laurent, foram mais inovadores nas coleções de prêt-à-porter do que na alta-costura
TARCISIO D'ALMEIDA
ESPECIAL PARA A FOLHA,
Quando o prêt-à-porter emergia na
cultura e na civilização francesas,
no início da década de 1960, Didier Grumbach
era adolescente: tinha 17 anos.
Formou-se em direito, mas,
por um erro de percurso, acabou seduzido pela indústria da
moda.
Testemunha de uma época
em que a hegemonia da tradição elitista da alta-costura começou a ser confrontada com o
olhar criativo e visionário dos
estilistas do prêt-à-porter,
Grumbach acaba de ter seu livro "Histórias da Moda" publicado no Brasil.
Em entrevista à Folha, afirmou que "sem megalomania e
criatividade a moda não pode
existir".
Em seu livro, a reflexão sobre
vestimentas e moda remonta a
períodos anteriores à noção
moderna de moda, na qual esta
se fundamenta a partir do século 19, sobretudo, com a invenção da alta-costura.
Para ele, a moda pode, por isso, colaborar para refletir sobre
estruturas do cotidiano, das
aparências, dos estilos, dos costumes, das etiquetas, dos gostos e consumo das sociedades.
Esses temas, diz, podem contribuir para entender a atual
configuração dos mercados de
moda no mundo globalizado.
Na entrevista abaixo, ele
também advoga em favor do livre espírito criativo da moda.
FOLHA - Como podemos pensar a
relação entre roupa, moda, arte e
sociedade?
DIDIER GRUMBACH - A comparação constante entre moda e arte, tendo a alta-costura como
parâmetro, é muito mais frágil
e contestável do que com o
prêt-à-porter nos dias atuais.
Este último foi organizado como um sistema de franchising,
permitindo ao criador se exprimir de maneira muito mais original.
Quando a alta-costura era
pujante e o prêt-à-porter não
existia, cada costureiro tinha
sua própria clientela, à qual ele
tinha que se adaptar.
Yves Saint Laurent era muito
mais livre com suas criações, no
ano de 1966, exprimindo-se a
partir de suas coleções YSL Rive Gauche.
Ele teve a possibilidade de
inovar muito mais com o prêt-à-porter do que com sua alta-costura, que era destinada a um
público burguês. O prêt-à-porter deu liberdade para os criadores da moda, pois o passado
não era estimulante.
FOLHA - Quando o sr. fala de passado, quer dizer que não havia diretores de criação?
GRUMBACH - Sim. Se observarmos os grandes costureiros e
tomarmos como exemplo a
Maison Jean Patou no seu período áureo, as coleções começavam a ser apresentadas de
manhã e seguiam até a noite
sem necessariamente terem
um diretor artístico.
Era normal ela comprar croquis externos, em particular de
Christian Dior, e as clientes
achavam normal comprar esses modelos de uma "maison"
que não tinha diretor artístico.
Aliás, esse questionamento
era inexistente, pois era uma
época em que a empresa era industrial, e não mais uma "maison" de criação.
Para se ter uma ideia, em
1925 a Jean Patou tinha cem
vendedoras e 30 provadores de
roupas. Também podemos citar Madame Carven, que, em
1948, vendeu 9.000 peças de alta-costura -o que pode ser
considerado uma produção industrial. Ou seja, a alta-costura
sempre foi uma indústria, mas
não uma indústria criativa. A
idade de ouro da alta-costura é
algo que nos apaixona, mas é
como um sonho.
FOLHA - Inspirados no sociólogo
alemão Norbert Elias (em "Os Estabelecidos e os Outsiders", ed. Jorge
Zahar), podemos imaginar um confronto entre a tradição dos costureiros da alta-costura e a atitude visionária dos estilistas do prêt-à-porter?
GRUMBACH - Hoje a ideia de que
alta-costura serve de laboratório para o prêt-à-porter não se
sustenta de modo nenhum.
"Maisons" como Thierry Mugler, Montana e Jean-Paul
Gaultier eram líderes do prêt-à-porter e foi na alta-costura
que encontraram problemas
com os quais nunca souberam
lidar.
FOLHA - O sr. afirmou não existir
uma moda de um único país, isto é,
"moda da França", "moda do Brasil"
etc. Mas, se pensarmos em termos
de consumo, a China seria uma
aposta para a moda do futuro, até
mesmo em termos de criação?
GRUMBACH - Não, não acredito
que a moda chinesa seja a moda
do futuro. A dificuldade é que a
China não exporta nada, e o
Ocidente importa tudo. Seria
muito difícil para o mercado
chinês concorrer, por exemplo,
com a [rede espanhola de "fast
fashion"] Zara, por exemplo.
E tudo o que se refere à fabricação chinesa é muito complicado, pois é difícil ser, ao mesmo tempo, produtor e fornecedor de produtos baseados em
mão de obra barata.
Essa mudança de paradigma
levaria anos.
É o contrário do Japão, por
exemplo, que abriu seus mercados ao mundo ocidental nos
anos 1950, e a indústria do país
pouco a pouco foi se constituindo e crescendo.
FOLHA - No caso do Brasil, quais
são as dificuldades e forças em relação a esse mercado?
GRUMBACH - O Brasil oferece o
mesmo nível de dificuldade
mecânica no que diz respeito às
estações do ano, que não são
coincidentes com as de outras
regiões do globo. Isso resulta
em uma logística complicada.
É possível resolver progressivamente esse problema com
um certo alinhamento entre as
"maisons" por meio de coleções diferenciadas, que guardem uma certa referência a países longínquos -mas sem necessariamente manter uma visão folclórica ou extremamente regionalista de moda.
O que é interessante nesse
alinhamento é a possibilidade
de uma "maison" francesa, por
exemplo, poder adquirir produtos ou ter fornecedores e
criadores brasileiros que possam desfilar nas semanas de
moda de Paris, como foi o caso
de Alexandre Herchcovitch.
Acredito que em alguns anos,
por conta da globalização, isso
possa ser realizado, e de forma
muito rápida.
O que deverá acontecer numa próxima etapa é que criadores da nova geração de todo o
mundo -que já entenderam a
nova configuração do mercado
internacional- poderão contribuir com coleções para Dior,
Saint Laurent, Givenchy (e
suas criações ficarão relacionadas a essas marcas).
Algo que era impensável há
alguns anos, mas totalmente
possível na atual configuração
mundial.
FOLHA - E quais são os desafios para os novos criadores? A moda se
pautará pela tecnologia?
GRUMBACH - A nova geração irá
se inserir no mercado de uma
maneira rara, pois a moda hoje
é um fenômeno tecnológico
-não é mais artesanato.
Por exemplo, ela pode ser
pensada em Paris, desenhada
pela internet em outra cidade e
produzida em qualquer parte
do mundo, como em São Paulo.
Isso é algo sensacional!
Essa moda irá pautar uma indústria de ponta, pois é um novo modelo de gestão que todos
tentam imitar.
Trabalhar com criadores hoje é fundamental porque apenas usar o marketing como ferramenta não funciona mais.
Um produto que é destinado
somente ao mercado brasileiro
não poderá ser exportado.
Da mesma maneira que um
produto direcionado apenas ao
mercado francês não será exportado porque a moda é uma
indústria de ponta e revolucionária -algo que ela não era há
dez anos.
FOLHA - Há possibilidade de algum
criador brasileiro desenvolver uma
coleção para uma grife internacional, dentro da ideia de globalização,
como acontece com o português Felipe Oliveira Baptista?
GRUMBACH - Eu não estou familiarizado com o parque industrial têxtil brasileiro, mas acredito que é possível fazer várias
alianças nesse contexto. Porque o Brasil tem o "savoir-faire" específico em alguns produtos, como moda
praia, além do couro e do design de sapatos. Boas alianças
podem ser estabelecidas porque existem criadores aptos a
aconselhar tanto uma empresa
chinesa quanto uma italiana,
como a Max Mara -esse é o caso de Felipe Oliveira Baptista.
Vivemos a globalização, em
que não existem mais nacionalidades, e um brasileiro pode
assumir o processo criativo de
uma grife internacional, como
é o caso de Francisco Costa na
Calvin Klein.
No mais, ninguém diria que
Karl Lagerfeld é alemão e que
Alaïa é tunisiano.
TARCISIO D'ALMEIDA é professor de moda na
Universidade Anhembi Morumbi (SP). Colaboração e tradução de Marilane Borges .
HISTÓRIAS DA MODA
Autor: Didier Grumbach
Editora: Cosac Naify (tel. 0/xx/11/
3218-1444)
Quanto: R$ 99 (456 págs.)
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