São Paulo, domingo, 21 de junho de 2009

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Universidade da Califórnia por Leopoldo Bernucci

DA REDAÇÃO

Leia abaixo a entrevista concedida por e-mail por Leopoldo Bernucci. (ESM)

 


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A greve na USP, como em qualquer instituição pública, é um instrumento legítimo de reividicações trabalhistas. Mas, da maneira como a "cultura da greve" tem sido desenvolvida e assimilada, modo recorrente nos últimos tempos na USP, temo que ela tenha perdido o seu real significado. De modo geral, uma greve exige negociações entre as partes e pede que estas sejam flexíveis, práticas e, sobretudo, razoáveis com respeito aos pontos reivindicados.
Portanto, parece-me que tanto a administração da universidade quanto os funcionários deveriam estabelecer um cronograma para as negociações e conduzi-las de modo respeitoso, realista e prático. Prático, porque as negociações não podem ser intermináveis, e a USP não pode continuar paralisada "ad infinitum".


As universidades públicas dos EUA são pagas; é impensável ver alunos ou funcionários as destruírem


2
Quanto à greve, professores e alunos [da Universidade da Califórnia], nunca nos envolvemos nessas atividades. Os aumentos anuais de salários dos professores -de, no máximo, 2% a 2,5% para todos [na USP, os funcionários e professores em greve pedem reajuste de 16% mais um aumento de R$ 200 fixos] e ainda por mérito, com base em casos individuais- distancia-se do modelo brasileiro.
Além disso, os salários não estão regulados por nenhum sindicato. Quando ocorrem greves de funcionários, algo bastante raro, elas normalmente têm um prazo estabelecido para terminar. As negociações duram poucos dias e se estendem pela noite afora, até que as duas partes cheguem a um acordo.
É impensável ver alunos ou funcionários invadindo ou destruindo as instalações da reitoria ou de outras dependências da administração e, muito menos, a presença do corpo policial no campus. Portanto, é o sentido prático e de coleguismo que leva todos a adotarem uma atitude consensual para que as atividades sejam normalizadas imediatamente e não prejudiquem o bom funcionamento das aulas e dos negócios da máquina administrativa da universidade.

3
O que posso afirmar é que os sistemas norte-americano e brasileiro são muito diferentes. Em primeiro lugar, as universidades públicas dos EUA são todas pagas. Os bons alunos que não possuem meios de pagar a escola recebem bolsas parciais ou integrais dos governos estadual ou federal.
Mas como regra geral todos têm que pagar matrícula anual e mensalidades para o sustento adequado da instituição. Como o sistema de universidades públicas vem recebendo menos verbas dos governos nos últimos 20 anos nos EUA, as instituições universitárias, na atualidade, têm que ser mais criativas para manter o seu bom sustento e o padrão de qualidade.
Os alunos têm muita facilidade para obter empréstimos de agências do governo federal. Um dado curioso, e que parece que ainda não foi muito compreendido aqui no Brasil, é a parceria entre a universidade pública e a empresa privada. Daí nascem acordos que beneficiam ambas as partes, sem que se comprometa necessariamente a integridade acadêmica e moral da instituição.
Há um certo mito -no Brasil e em toda a América Latina- segundo o qual essa união descaracteriza a boa imagem da universidade pública, quando, na verdade, produz efeitos muito positivos. Hoje em dia, nenhuma universidade pública dos EUA poderia manter-se sem o auxílio de fundos de doações privadas.

4
Na Universidade da Califórnia, a escolha do reitor tem muito pouco a ver com as decisões dos diversos grupos que compõem a instituição. O reitor é escolhido por uma comissão de regentes (Board of Regents) formada por 26 membros. Dezoito são nomeados pelo governador da Califórnia por um período de 12 anos, um é um estudante nomeado pelos regentes e sete são membros "ex officio".
A comissão leva em consideração a experiência administrativa e a visibilidade acadêmica do candidato a reitor. O processo de contratação dos professores universitários na Universidade da Califórnia segue as mesmas pautas do processo de outras instituições dos EUA, inclusive as privadas. As vagas são anunciadas publicamente, forma-se uma comissão para examinar as solicitações, realiza-se uma triagem no final do processo, e os três finalistas são convidados para entrevistas de dois ou três dias no campus universitário.
Como parte da entrevista, o candidato dá uma conferência aberta ao público. Normalmente, o candidato escolhido assina um contrato de seis anos e, nesse período, prepara-se para a sua efetivação -que lhe é outorgada somente após passar por duas fases de avaliação das três áreas (ensino, pesquisa e serviço administrativo) e, logicamente, ser aprovado.
Recebendo a sua efetivação ("tenure"), o próximo passo ("full professor") no processo das promoções da carreira universitária se dá entre sete e dez anos mais tarde. Nessa última etapa, há outra avaliação semelhante à já realizada para a efetivação do professor, com duas comissões de parecer, uma interna e outra externa ao departamento do candidato.

5
A USP, em seu conjunto, continua sendo a instituição acadêmica mais prestigiosa do Brasil nos EUA. Como tal, se define como um modelo exemplar de instituição acadêmica que coaduna de forma equilibrada ensino e pesquisa.

LEOPOLDO BERNUCCI é professor de estudos latino-americanos na Universidade da Califórnia, em Davis. Foi professor visitante na USP e também lecionou nas universidades Yale, do Colorado e do Texas (EUA). É autor de "A Imitação dos Sentidos" (Edusp), entre outros livros.

Folha Online

Sobre esse tema, leia também entrevista com a especialista em literatura portuguesa e professora na Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, Yara Frateschi Vieira, em

www.folha.com.br/091666


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