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+Cultura
O ESCRITOR JAPONÊS HARUKI MURAKAMI RELEMBRA TRÊS DAS MAIORES LENDAS DO JAZZ
O perdão de Billie
HARUKI MURAKAMI
Eu ouvia muito Billie
Holiday quando era
jovem e a achava comovente. Mas só fui
apreciar de fato o
quanto era maravilhosa mais
tarde, quando estava bem
mais velho. Acho que isso
quer dizer que envelhecer
traz, sim, algumas compensações. Nos velhos tempos, eu
ouvia a música gravada por
Billie na década de 1930 e no
início da de 1940.
Naqueles anos, sua voz era
jovem e nova, e Billie lançava
uma canção após outra, a
maioria relançada mais tarde
pela Columbia nos EUA.
Essas canções eram repletas de imaginação e vôos melódicos acrobáticos. O mundo
inteiro dançava no ritmo do
suingue de Billie Holiday.
Quero dizer que o planeta
se mexia, de fato. Não estou
exagerando. Estamos falando
aqui de magia, não simplesmente arte. O único outro
músico que conheço que possuía virtuosismo tão mágico
foi Charlie Parker.
O eu mais jovem não ouviu
com tanta atenção as gravações posteriores de Billie Holiday, sua fase na Verve, canções que ela gravou quando
as drogas tinham endurecido
sua voz e corroído seu corpo.
Ou talvez, quem sabe, eu
tenha mantido distância
consciente delas. Eu achava
suas canções daquela era, especialmente as dos anos
1950, dolorosas, opressivas,
patéticas. À medida que fui
passando pela casa dos 30
anos e depois dos 40, porém,
me vi colocando esses discos
na vitrola com freqüência cada vez maior.
Sem me dar conta disso, eu
estava começando a sentir
desejo e necessidade, física e
emocional, daquela música.
O que havia nas canções
posteriores de Billie Holiday
-canções que poderíamos
descrever como alquebradas- que eu era cada vez
mais capaz de escutar e que
eu não escutara antes? Ando
pensando muito sobre isso.
Por que essas canções passaram a exercer atração tão poderosa sobre mim?
"Está tudo bem"
Entendi recentemente que
a resposta talvez envolva a
idéia de "perdão". Quando
ouço as canções posteriores
de Billie Holiday, posso senti-la abrindo os braços para
abraçar os corações das muitas pessoas que magoei ao
longo de minha vida e dos
meus escritos, as pessoas que
sofreram devido a meus muitos erros, e aproximando-as
dela. "Está tudo bem", ela
canta para mim.
Deixe estar. Isso não tem
nada a ver com "curar feridas" -não estou sendo curado de modo nenhum. É perdão, puro e simples.
Sei que essa interpretação
da música de Billie Holiday é
profundamente pessoal. Eu
jamais sugeriria que ela se
aplica a todos. É por isso que
recomendo sua maravilhosa
coleção lançada pela Columbia. Se eu tivesse que escolher
uma só canção dela, seria sem
dúvida alguma "When You're
Smiling". O solo de Lester
Young no meio também é um
deleite, um trabalho de gênio.
"Quando você está sorrindo, o mundo inteiro sorri com
você."
E o mundo sorri, de fato.
Você pode não acreditar, mas
é verdade -ele fica radiante!
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