São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

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Thelonious mágico

HARUKI MURAKAMI

Em certa etapa de minha vida eu me sentia atraído pela música de Thelonious Monk, como por uma atração fatídica. A cada vez que ouvia o som inconfundível de seu piano -como um cinzel golpeando gelo duro em algum ângulo estranho, mas eficaz-, eu suspirava: "Isso sim é jazz!". Ela me alegrava e inspirava.
Mesmo hoje, um cenário em especial me conecta com Monk: café preto forte, um cinzeiro repleto de pontas de cigarro, um conjunto de grandes alto-falantes JBL, um romance parcialmente lido (pode ser algo de Georges Bataille ou William Faulkner), o primeiro suéter do outono, a solidão friorenta de um pequeno café onde se toca jazz.
Ainda adoro imaginar essa cena. Talvez ela tenha pouca ligação com qualquer coisa que tenha acontecido de fato, mas está preservada em minha memória, perfeitamente equilibrada, como uma foto bem composta.
A música de Monk era obstinada e doce, intelectual e excêntrica; entretanto, por alguma razão que nunca fui capaz de identificar, ela sempre acertava o alvo em cheio.
Era como um "homem misterioso" que aparece sem aviso prévio, coloca algum objeto incrível sobre a mesa e então some sem dizer palavra.
Ouvir a música de Monk quando se está sozinho é como abraçar algo misterioso. Miles Davis e John Coltrane foram músicos de genialidade espantosa, mas nenhum deles foi um homem misterioso, nesse sentido do termo.
Não me recordo bem quando foi que a música de Monk começou a perder seu brilho original, quando o mistério deixou de ser mistério. Assim como o próprio Monk foi lentamente sumindo na névoa, sem que eu me desse conta disso, o mesmo aconteceu com o equilíbrio e a aura de mistério do cenário do qual ele fizera parte. Então veio a incoerência daquela menos heróica das eras, os anos 1970.
Comprei o LP de título simétrico de Monk, "5 by Monk by 5", numa loja chamada Marumi Records, perto do santuário Hanazono, em Shinjuku, no centro de Tóquio. Era um disco importado -logo, bastante caro para mim, em vista do estado de minha carteira.

Solidão
Ouvi "5 by Monk by 5" inúmeras vezes, sem nunca me entediar. Cada nota, cada frase musical, era tão rica, tão repleta de alimento, que era possível espremê-la mais e mais, sem que seu sumo se esgotasse. E eu, com o privilégio especial que às vezes acompanha a juventude, absorvi cada gota dele em minhas próprias células.
A música de Monk tocava constantemente em minha cabeça, mesmo quando estava simplesmente andando na rua. Mas nunca pude explicar a ninguém a razão do grande amor que sentia por Monk. Parecia que as palavras certas para isso não existiam.
Então me dei conta: essa é uma das formas mais intensas que a solidão pode assumir.
Mas não havia problema. Sim, eu estava só, mas estava bem assim. Hoje me parece que, naquela época, eu estava determinado a reunir todas as formas de solidão possíveis. Ao mesmo tempo em que fumava uma montanha de cigarros.


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