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Thelonious mágico
HARUKI MURAKAMI
Em certa etapa de minha vida eu me sentia
atraído pela música de
Thelonious Monk, como por uma atração
fatídica. A cada vez que ouvia o
som inconfundível de seu piano -como um cinzel golpeando gelo duro em algum ângulo
estranho, mas eficaz-, eu suspirava: "Isso sim é jazz!". Ela
me alegrava e inspirava.
Mesmo hoje, um cenário em
especial me conecta com
Monk: café preto forte, um cinzeiro repleto de pontas de cigarro, um conjunto de grandes
alto-falantes JBL, um romance
parcialmente lido (pode ser algo de Georges Bataille ou William Faulkner), o primeiro
suéter do outono, a solidão
friorenta de um pequeno café
onde se toca jazz.
Ainda adoro imaginar essa
cena. Talvez ela tenha pouca ligação com qualquer coisa que
tenha acontecido de fato, mas
está preservada em minha memória, perfeitamente equilibrada, como uma foto bem
composta.
A música de Monk era obstinada e doce, intelectual e excêntrica; entretanto, por alguma razão que nunca fui capaz
de identificar, ela sempre acertava o alvo em cheio.
Era como um "homem misterioso" que aparece sem aviso
prévio, coloca algum objeto incrível sobre a mesa e então some sem dizer palavra.
Ouvir a música de Monk
quando se está sozinho é como
abraçar algo misterioso. Miles
Davis e John Coltrane foram
músicos de genialidade espantosa, mas nenhum deles foi um
homem misterioso, nesse sentido do termo.
Não me recordo bem quando
foi que a música de Monk começou a perder seu brilho original, quando o mistério deixou
de ser mistério. Assim como o
próprio Monk foi lentamente
sumindo na névoa, sem que eu
me desse conta disso, o mesmo
aconteceu com o equilíbrio e a
aura de mistério do cenário do
qual ele fizera parte. Então veio
a incoerência daquela menos
heróica das eras, os anos 1970.
Comprei o LP de título simétrico de Monk, "5 by Monk by
5", numa loja chamada Marumi Records, perto do santuário
Hanazono, em Shinjuku, no
centro de Tóquio. Era um disco
importado -logo, bastante caro para mim, em vista do estado de minha carteira.
Solidão
Ouvi "5 by Monk by 5" inúmeras vezes, sem nunca me entediar. Cada nota, cada frase
musical, era tão rica, tão repleta
de alimento, que era possível
espremê-la mais e mais, sem
que seu sumo se esgotasse. E
eu, com o privilégio especial
que às vezes acompanha a juventude, absorvi cada gota dele
em minhas próprias células.
A música de Monk tocava
constantemente em minha cabeça, mesmo quando estava
simplesmente andando na rua.
Mas nunca pude explicar a ninguém a razão do grande amor
que sentia por Monk. Parecia
que as palavras certas para isso
não existiam.
Então me dei conta: essa é
uma das formas mais intensas
que a solidão pode assumir.
Mas não havia problema.
Sim, eu estava só, mas estava
bem assim. Hoje me parece
que, naquela época, eu estava
determinado a reunir todas as
formas de solidão possíveis. Ao
mesmo tempo em que fumava
uma montanha de cigarros.
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