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Escritor traça um retrato brutal da vida universitária em seu novo romance
Tom Wolfe contra a juventude transviada
JOHN FREEMAN
DO "THE INDEPENDENT"
Sentado, de pernas cruzadas, sobre um sofá dourado na biblioteca
de seu apartamento no Upper
East Side, em Manhattan, vestindo
o terno branco que é sua marca registrada, gravata azul marinho e
sapatos de duas cores, Tom Wolfe
está o mais distante que se pode
estar, nos EUA, de uma farra universitária. Na mesa à sua frente há
uma estatueta do presidente [chinês] Mao [Tse-tung (1893-1976)].
As paredes ostentam estantes e
mais estantes de livros sobre mestres flamengos e pintores modernos, além de retratos da filha de
Wolfe em traje completo de hipismo. Pouco depois de o escritor fazer sua entrada, uma empregada
sorridente o segue, carregando
dois copos d'água.
Nos 90 minutos seguintes, aqui
na cidade que Wolfe retratou como selva de concreto em seu best-seller de 1987, "A Fogueira das
Vaidades" (Rocco), a superfície
dos copos se conserva calma e
inalterada.
Basta fazer uma visita a Wolfe
para compreender por que a vida
nos campi das universidades americanas era uma realidade distante
-e chocante- para ele. De fato,
seu novo romance, "I Am Charlotte Simmons" [Eu Sou Charlotte
Simmons], é uma representação
do pior pesadelo de qualquer pai.
Ambientado na fictícia Universidade Dupont, o livro mergulha
fundo na alma frita em óleo dos
EUA e volta à tona com um retrato
escandalizante do vazio pornográfico desse investimento de US$
120 mil conhecido como faculdade: as farras e bebedeiras, as traições, as transas e a adoração dos
atletas.
Mesmo Wolfe, que faturou milhões nos revelando o que a multidão ensandecida anda fazendo,
reconhece que a juventude americana pode ter perdido um pouco o
pé. "Ainda bem que eu não sabia
de tudo isso antes de meus filhos
partirem para a faculdade", diz
ele, com uma risada constrangida.
Alienação
É uma afirmação
surpreendente, vinda, como vem,
do maior cronista americano do
espírito dos tempos atuais, especialmente em vista da eleição mais
contenciosa da história do país. Se
precisássemos de um lembrete de
quão pré-11 de Setembro soam essas preocupações com relação à
vida nos campi, bastaria olhar pela
janela. A vista da biblioteca da casa de Wolfe se estende pelo Central Park, atravessando o "Midtown" e chegando até o local onde
antes se erguia o World Trade
Center.
Pergunto a ele se, quem sabe, o
espírito dos tempos teria passado
ao largo dele, desta vez? "Cheguei
a parar e dizer "espere um minuto",
sabe", diz Wolfe, falando com a
cadência lânguida de um sulista
nato. "Tudo isso supostamente teria mudado tudo. Mas olhe para
Nova York hoje. Os preços dos
imóveis estão fora de controle...
Além disso, eu constatei, nos campi, que a reação ao 11 de Setembro
é zero. Para a maioria dos jovens,
foi apenas uma coisa que aconteceu na televisão."
Osama bin quem? Se você quiser
entender por que mesmo os americanos jovens e bem instruídos
estão fora de contato com a realidade, "Eu Sou Charlotte Simmons" vai lhe mostrar -e de maneira assustadora. Utilizando os
monólogos interiores, que já viraram sua marca registrada, Wolfe
mostra que os jovens são ignorantes porque uma coisa, e apenas
uma, domina seus pensamentos:
o sexo.
A heroína do livro é uma moça
ingênua e esforçada da zona rural
da Carolina do Norte a quem a
vulgaridade do ambiente social da
universidade provoca asco. Há,
também, os rapazes que a cortejam: JoJo Johansen, um jogador
de basquete de 2,08 metros de altura, Hoyt Thorpe, um "wasp"
(branco, anglo-saxão e protestante) ex-rico, e Adam Gellen, "nerd"
e jornalista universitário que está
profundamente envolvido num
escândalo.
A ação do livro soa como uma
dramatização dos temas e das observações de seu ensaio "Hooking
Up", no qual ele observou que, no
ano 2000, "os estímulos sexuais já
bombardeavam os jovens de maneira tão intensa e incessante que
eles (os jovens) viviam inflamados
pela coceira do tesão muito antes
de chegarem à puberdade".
No dia seguinte à sua chegada à
universidade, Charlotte é "sexualmente irritada" quando sua colega
de quarto traz um homem para o
quarto para transar com ele. Enquanto isso, outros universitários
fazem concursos, com a ajuda de
cronômetros, para ver quem consegue levar "carne fresca" para a
cama em menos tempo. O recorde
a ser batido é sete minutos.
Visitas aos campi
Tudo isso poderia ser visto como melodrama -e nada mais- não fosse
o fato de Wolfe ser tão cuidadoso
em suas pesquisas. Ele visitou mais
de uma dúzia de campi universitários ao longo de quatro anos, passando semanas em Stanford, na
Universidade da Flórida e na Universidade da Carolina do Norte.
Conversou com estudantes e assistiu a aulas.
Apesar de poucos anos terem se
passado desde que fora submetido
a uma cirurgia de cinco pontes coronárias, ele passou noites acordado até 4h ou 5h, de pé nos cantos de
casas de irmandades universitárias, com os ouvidos atentos ao que
se passava.
Se as vendas de "A Fogueira das
Vaidades" elevaram Wolfe para o
topo de uma pilha de romancistas
sociais, "Um Homem por Inteiro"
(Rocco) fincou uma espinha no
corpo de seus críticos. Escrevendo
sobre o livro para a [revista] "The
New Yorker", [o escritor americano] John Updike disse que era "entretenimento, não literatura".
Se a reação de Tom Wolfe, na página impressa, freqüentemente
consiste em partir para o embate
com seus críticos -certa vez ele
escreveu um ensaio em que chamou John Irving, John Updike e
Norman Mailer de "Os Três Patetas"-, longe do teclado ele adota
postura bem mais equânime. Embora as fotos tendam a mostrá-lo
como aristocrata arrogante, visto
em pessoa ele surpreende por sua
fala mansa, quase refinada. Wolfe
repete os expletivos que utiliza
com tanta freqüência no livro, mas
a contragosto, constrangido. No
entanto o terno, o apartamento e
as estantes de livros, todos são testemunhas de sua capacidade de ser
camaleão.
Wolfe já começou a escrever um
novo ensaio, sua resposta aos críticos, quem sabe. "Comecei a redigir
um juramento de Hipócrates dos
escritores", ele conta. "A primeira
linha do juramento hipocrático
dos médicos diz "primeiramente,
não cause mal". Acho que, para os
escritores, a primeira coisa seria:
entretenha. Entreter é uma palavra
muito simples. O entretenimento
capacita as pessoas a passarem o
tempo de maneira agradável. E
qualquer escrito, -não importa se
é poesia ou o quê- deve, em primeiro lugar, entreter. Foi apenas
recentemente que se passou a valorizar a idéia de tornar os escritos
tão difíceis que apenas uma aristocracia charmosa é capaz de compreendê-los."
Tradução de Clara Allain.
I Am Charlotte Simmons
688 págs., US$ 28,95
de Tom Wolfe. Ed. Farrar, Straus and Giroux (EUA).
Onde encomendar
Livros em inglês podem ser encomendados, em SP, na livraria Cultura (tel. 0/xx/ 11/ 3170-4033) e, no RJ, na Leonardo da Vinci (tel. 0/ xx/ 21/ 2533-2237) ou no site www.amazon.com
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