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A MISSÃO REGULADORA
Em "A Educação
e a Crise Brasileira",
Anísio Teixeira aproxima
os problemas
do ensino
e da civilização
GILBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Panacéia é no que se converteu
a palavra "educação" hoje,
em todos os palanques e discursos, seja de esquerda ou de
direita. Além de ser apresentada como a solução de todos os males e taras da sociedade, a educação é concebida equivocadamente como o
motor da história.
Isso não era, no entanto, o que
pensava Anísio Teixeira, o principal
entendido em educação escolar no
Brasil, sabedor das alternativas e escolhas educacionais, primárias, secundárias, técnicas, superiores, adotadas por diferentes países e em diferentes épocas.
A crise educacional faz parte da
crise da civilização brasileira, cuja
estrutura colonial do passado persiste, ora travestida com a Independência, com a República e com a industrialização. "A Educação e a Crise
Brasileira" (ed. UFRJ, 420 págs., R$
48), de Teixeira, constitui um retrato
primoroso dos males antigos da
educação, acrescidas das novas hoje
em curso.
Dir-se-ia: agravadas com as falcatruas e negociatas mediante o crescimento da esfera privada, com o privatismo que tomou conta do país.
Eis o que escreveu Teixeira há 50
anos, cuja atualidade salta aos olhos:
"O ensino particular passou a gozar
do privilégio de ensino público, explorado por concessão do Estado,
em franca e vitoriosa competição
contra o ensino público, mantido
pelo Estado".
A totalidade do país
Ao contrário dos chatos especialistas e dos sucessivos, improvisados e
medíocres ministros da área, Teixeira aborda a educação escolar como
uma via de acesso ao conhecimento
da totalidade sociocultural do país,
como um treinamento para lidar
com as demandas complexas do desenvolvimento e, bom greco-baiano
que era, como uma paidéia, ou seja,
a escola formadora da cidadania,
mas da cidadania efetiva, e não da
retórica, artificial, artificiosa. A
transplantação colonial de padrões
europeus que nos define era o ponto
de partida de suas análises, diagnósticos e propostas: "Já não podemos
representar de país civilizado. Temos de ser um país civilizado".
Para Teixeira, a escola, como principal instituição transmissora de
cultura, deveria ser a "reguladora da
civilização brasileira"; todavia, para
chegar a esse ponto, era preciso realizar simultaneamente as "reformas
de base": a reforma agrária e a universalização da escola primária para
toda a população.
O problema é que o capitalismo no
Brasil se industrializou sem ter feito
a prévia reforma agrária. Nós pulamos essa etapa, assim nos industrializamos sem levar adiante o processo de alfabetização, daí a concentração cada vez mais exorbitante da
"população ineducada das cidades",
de modo que se configurou entre
nós o capitalismo ágrafo e, a partir
da década de 60, piorou esse descalabro educacional com a implantação
intensiva e extensiva do aparelho de
TV em cada mocambo detritário e
em todos os barracos favelados.
Anomalia cultural
Parece que estamos contentes com
a seguinte anomalia cultural: não
conseguimos universalizar o ensino
primário, fomos incapazes de colocar todas as crianças na escola, porém realizamos a façanha deseducadora de universalizar a indústria
ideológica da televisão.
A instrução letrada, o saber contar,
ler e escrever -isto é, o complexo livro = escola- foram substituídos
pela sedução pornô e popularesca
das telenovelas e dos programas de
auditório, que são as verdadeiras escolas cívicas e políticas do povo brasileiro na sublime hora de votar.
Contra a liberal UDN e o clero católico, representados por Carlos Lacerda e dom Hélder Câmara, o baixinho e franzino Teixeira militou bravamente em prol da escola popular,
pública e gratuita.
O seu mais importante e genial
discípulo, Darcy Ribeiro, ministro
de João Goulart, batalhou posteriormente e conseguiu materializar no
Rio de Janeiro a escola pública de
turno integral -os Cieps- batizada pelo povo de "brizolão". Um lance esquisito, no entanto, é que os estudiosos de Teixeira têm por hábito
esquecer, omitir e sabotar a contribuição do educador Darcy Ribeiro
para a sociedade brasileira.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais na Universidade
Federal de Juiz de Fora e autor de "A Salvação da Lavoura" (Casa Amarela).
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