São Paulo, domingo, 22 de março de 2009 |
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+(c)omportamento Descendo quadrado
GILLES BASTIN A condução de veículos e o consumo de álcool fazem parte das experiências mais banais da vida moderna. Duas experiências que pertencem, em grande medida, à vida privada, mas todos conhecem de sobra o tabu que pesa sobre a sua união. "Dirigir ou beber, é preciso escolher", diz, na França, o slogan publicitário que capta com mais autoridade a "ordem simbólica" que o sociólogo Joseph Gusfield já procurava analisar num livro clássico ["A Cultura dos Problemas Públicos"] publicado nos EUA em 1981. "Por que", pergunta o sociólogo nas primeiras páginas do livro, "conduzir um veículo sob a influência do álcool é um problema público, afinal?" De fato, o consumo de álcool foi tolerado por muito tempo em locais públicos ou no trabalho. E mais: não foi incentivado até o início do século 20, além de ser visto como circunstância atenuante em muitas situações de delito? Em seu estudo, Gusfield faz a desconstrução magistral dos argumentos ditos científicos (ou seja, para ele, retóricos) que, desde 1920, permitiram ao Conselho de Segurança Nacional -organização privada que coletava informações sobre acidentes de todos os tipos nos EUA- reivindicar para a sua esfera de competência o "problema" do álcool ao volante. O conselho concentrou sua atenção sobre os desempenhos individuais de condutores de veículos, mais do que sobre o desempenho dos automóveis ou a situação da malha viária e dos serviços de socorro. Era uma maneira de responsabilizar o condutor que, evidentemente, atendia aos interesses dos fabricantes de carros, como mostrou [o ativista norte-americano] Ralph Nader nos anos 1960. De fato, todas as informações publicadas sobre acidentes em estradas e ruas mencionavam rapidamente o sexo do condutor, sua idade, sua taxa de alcoolemia, mas não a idade do veículo ou seu estado de manutenção, a proximidade de um posto de socorro etc. Gusfield submete à mesma grade de análise o código de leis sobre a condução de veículos, assim como todo o aparato do direito em ação: o processo de prisão visto como rito degradante para o motorista que tivesse bebido, a dramaturgia do processo, o jogo de metáforas no procedimento etc. -tudo é finamente dissecado. Mostra também como a condução de veículos em estado de embriaguez, sob o efeito dessa acusação retórica, vai aos poucos se tornando tão impensável quanto condenável, enquanto o motorista embriagado se torna bode expiatório de uma ordem social sóbria e virtuosa: "A estrutura metafórica do raciocínio jurídico se encarrega, de fato, das implicações sociais e políticas por meio da qual a responsabilidade é imputada. (...) O código automotivo não é outra coisa senão a encarnação dessas metáforas", escreve o sociólogo. Joseph Gusfield, que se formou nos anos 1950 na Universidade de Chicago, reteve desse legado duas lições que são expostas com maestria no livro. A primeira delas diz que não existem no mundo social objetos que sejam menos dignos de atenção que outros. A loucura, a pobreza, a sexualidade e muitos outros "problemas sociais" tiveram definições variáveis ao longo do tempo. Por que o mesmo não se daria com a embriaguez ao volante? Esse "drama" social é também um problema do qual se apossam grupos concorrentes, todos os quais ambicionam tornar-se "donos" dele para orientar sua definição. Desse modo, convertem um conjunto de posições morais em fatos indiscutíveis, gerando "a ilusão (...) da clareza, da certeza e da autoridade". Nossa existência, diz a segunda lição, possui uma dimensão simbólica que autoriza que se encarem seus problemas como textos. Joseph Gusfield -e é nisso que consiste a maior riqueza deste livro, e também, possivelmente, seu limite- se atém mais aos discursos que tratam do álcool ao volante do que aos atores que os fazem. "Descrever a estrutura dos problemas públicos é descrever a maneira ordenada na qual atividades, categorias e argumentos emergem da arena pública", ele observa numa conclusão que poderia ser aplicada sem dificuldade a outros objetos de inquietude social, tanto hoje como no passado. A íntegra deste texto saiu no "Le Monde". Tradução de Clara Allain . Texto Anterior: +(a)utores: Juro contra Deus Próximo Texto: Predadores psíquicos Índice |
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