São Paulo, domingo, 22 de março de 2009

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PAIS E FILHOS

AMPLO ESTUDO PUBLICADO NO REINO UNIDO MAPEIA AS AMEAÇAS À INFÂNCIA, DO CONSUMISMO E RELAÇÕES FAMILIARES AO CYBERBULLYING

PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES

O que, afinal, leva a uma boa infância? Foi em busca dessa resposta que o maior estudo já feito no Reino Unido sobre o tema ouviu 35 mil crianças, pais, educadores e especialistas nos últimos três anos.
O resultado virou livro e foi divulgado no mês passado, com análises de sete áreas: família, amizade, estilo de vida, valores, educação, saúde mental e desigualdade.
Segundo o estudo, crianças cada vez mais novas estão cada vez mais sujeitas a pressões consumistas e a alguns tipos de agressão inexistentes no passado. Pesquisas mostram que, a partir dos dois anos, crianças já manuseiam de forma diferente alguns brinquedos induzidas por aquilo que viram em propagandas de TV.
Há uma geração, isso era impensável, dizem os envolvidos no estudo.
O desenvolvimento da tecnologia também levou a um fenômeno relativamente novo, batizado de "cyberbullying", em que agressões on-line são profundamente perturbadoras para as crianças, diz a pesquisa, intitulada "O Relatório da Boa Infância".
Levantamentos feitos para o estudo mostram que as crianças são altamente suscetíveis a essas verdadeiras campanhas de difamação feitas pela internet. A ligação negativa entre alguns videogames e a violência foi aprofundada.
As relações sociais das crianças também se mostraram fundamentais para uma boa infância. Embora a maioria dos pais saiba disso, o estudo afirma que o peso pode ser ainda maior do que se pensava.
"Uma das principais mensagens que permeiam a pesquisa é o quão importante são as relações sociais das crianças, seja com os pais, seja com os amigos", disse à Folha Judith Dunn, professora do Instituto de Psiquiatria de Londres e coordenadora do grupo de 11 especialistas de diversas áreas que conduziu o estudo.
"Se existe um relacionamento com outra criança desde os primeiros anos, em que a criança divide segredos e expressa seus sentimentos, isso estará ligado, no futuro, a um entendimento mais sutil das outras pessoas e a uma maior sensibilidade. E esta é uma pesquisa relativamente recente", afirma Dunn.

Má compreensão
O aspecto mais polêmico da pesquisa foi o impacto que o relacionamento dos pais com a criança e entre o pai e a mãe têm para uma boa infância.
Boa parte da mídia britânica destacou como conclusão do estudo que casais em que ambos os pais trabalham fora ou que são separados criam pior seus filhos, o que gerou enorme reação.
"Isso meu deixou profundamente irritada. É claro que em nenhum momento dissemos isso, muito pelo contrário", diz a coordenadora da pesquisa.
"Mais importante do que as diferenças de estrutura familiar, como pais solteiros, é que, mesmo se os pais são separados, se há um relacionamento contínuo e afetivo com o pai ou a mãe que foi embora, a criança ficará bem", afirma Dunn.
"É óbvio que as crianças ficam chateadas, tristes e não querem que seja assim, mas a pesquisa mostra que esses não são efeitos de longo prazo para a maioria. Dois anos depois, já quase não há descontentamento", completa.
A atitude dos pais não só em relação aos filhos, mas diante da vida, é fundamental para proporcionar uma boa infância. "É importante que os pais vivam de acordo com os princípios em que dizem acreditar", diz a pesquisadora.
Os países com as notas mais altas para o bem-estar das crianças, Dinamarca, Suécia e Holanda, são aqueles em que os adultos estão mais inclinados a concordar que a pessoa não tem o dever de respeitar pais que não conquistaram isso por seu comportamento e atitude, mostra a pesquisa.

A piscina
O estudo consiste mais em uma radiografia do que em um manual, pois cada criança é diferente, e diferentes tipos de educação podem levar a infâncias igualmente felizes, diz Dunn.
Mas, como o objetivo é justamente levantar o debate em torno do tema, o "Relatório da Boa Infância" lista uma série de recomendações para pais ("fazer um compromisso de longo prazo"), professores ("basear a disciplina em respeito mútuo"), governo ("aumentar os salários dos profissionais"), mídia ("repensar a quantidade de violência veiculada"), anunciantes ("parar de encorajar a sexualidade precoce e a bebida em excesso") e a sociedade como um todo ("ter uma atitude mais positiva em relação às crianças").
"A educação para a vida tem que ser como uma piscina. Quando a criança entra, é na parte rasa, com ajuda. Mas o objetivo é ensiná-la a nadar, para ir sozinha para a parte funda", afirmou à Folha Bob Reitemeier, diretor-executivo da Children's Society, entidade que encomendou o estudo.
As críticas ao consumismo, aos efeitos negativos de avanços tecnológicos e à mudança do perfil dos pais, com cada vez mais casais em que os dois trabalham fora, pode levar à ideia de que o estudo se bate contra algo inexorável.
"Não achamos que isso seja reversível, mas não quer dizer que não possamos lidar com essas questões", diz Reitemeier.
"Podemos pensar em meios de combater os efeitos negativos. Quanto mais entendemos onde estamos, mais podemos alterar nosso comportamento para atenuar os impactos dessas mudanças. Temos de nos distanciar dessa atitude, a de que essas mudanças irão acontecer de qualquer jeito e não há nada que possamos fazer", afirma Dunn.


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