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PAIS E FILHOS
AMPLO ESTUDO PUBLICADO NO REINO UNIDO MAPEIA AS AMEAÇAS À INFÂNCIA, DO CONSUMISMO
E RELAÇÕES FAMILIARES AO CYBERBULLYING
PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES
O que, afinal, leva a
uma boa infância?
Foi em busca dessa resposta que o
maior estudo já
feito no Reino Unido sobre o
tema ouviu 35 mil crianças,
pais, educadores e especialistas
nos últimos três anos.
O resultado virou livro e foi
divulgado no mês passado, com
análises de sete áreas: família,
amizade, estilo de vida, valores,
educação, saúde mental e desigualdade.
Segundo o estudo, crianças
cada vez mais novas estão cada
vez mais sujeitas a pressões
consumistas e a alguns tipos de
agressão inexistentes no passado. Pesquisas mostram que, a
partir dos dois anos, crianças já
manuseiam de forma diferente
alguns brinquedos induzidas
por aquilo que viram em propagandas de TV.
Há uma geração, isso era impensável, dizem os envolvidos
no estudo.
O desenvolvimento da tecnologia também levou a um fenômeno relativamente novo,
batizado de "cyberbullying",
em que agressões on-line são
profundamente perturbadoras
para as crianças, diz a pesquisa,
intitulada "O Relatório da Boa
Infância".
Levantamentos feitos para o
estudo mostram que as crianças são altamente suscetíveis a
essas verdadeiras campanhas
de difamação feitas pela internet. A ligação negativa entre alguns videogames e a violência
foi aprofundada.
As relações sociais das crianças também se mostraram fundamentais para uma boa infância. Embora a maioria dos pais
saiba disso, o estudo afirma
que o peso pode ser ainda
maior do que se pensava.
"Uma das principais mensagens que permeiam a pesquisa
é o quão importante são as relações sociais das crianças, seja
com os pais, seja com os amigos", disse à Folha Judith
Dunn, professora do Instituto
de Psiquiatria de Londres e
coordenadora do grupo de 11
especialistas de diversas áreas
que conduziu o estudo.
"Se existe um relacionamento com outra criança desde os
primeiros anos, em que a criança divide segredos e expressa
seus sentimentos, isso estará
ligado, no futuro, a um entendimento mais sutil das outras
pessoas e a uma maior sensibilidade. E esta é uma pesquisa
relativamente recente", afirma
Dunn.
Má compreensão
O aspecto mais polêmico da
pesquisa foi o impacto que o relacionamento dos pais com a
criança e entre o pai e a mãe
têm para uma boa infância.
Boa parte da mídia britânica
destacou como conclusão do
estudo que casais em que ambos os pais trabalham fora ou
que são separados criam pior
seus filhos, o que gerou enorme
reação.
"Isso meu deixou profundamente irritada. É claro que em
nenhum momento dissemos
isso, muito pelo contrário", diz
a coordenadora da pesquisa.
"Mais importante do que as
diferenças de estrutura familiar, como pais solteiros, é que,
mesmo se os pais são separados, se há um relacionamento
contínuo e afetivo com o pai ou
a mãe que foi embora, a criança
ficará bem", afirma Dunn.
"É óbvio que as crianças ficam chateadas, tristes e não
querem que seja assim, mas a
pesquisa mostra que esses não
são efeitos de longo prazo para
a maioria. Dois anos depois, já
quase não há descontentamento", completa.
A atitude dos pais não só em
relação aos filhos, mas diante
da vida, é fundamental para
proporcionar uma boa infância. "É importante que os pais
vivam de acordo com os princípios em que dizem acreditar",
diz a pesquisadora.
Os países com as notas mais
altas para o bem-estar das
crianças, Dinamarca, Suécia e
Holanda, são aqueles em que os
adultos estão mais inclinados a
concordar que a pessoa não
tem o dever de respeitar pais
que não conquistaram isso por
seu comportamento e atitude,
mostra a pesquisa.
A piscina
O estudo consiste mais em
uma radiografia do que em um
manual, pois cada criança é diferente, e diferentes tipos de
educação podem levar a infâncias igualmente felizes, diz
Dunn.
Mas, como o objetivo é justamente levantar o debate em
torno do tema, o "Relatório da
Boa Infância" lista uma série de
recomendações para pais ("fazer um compromisso de longo
prazo"), professores ("basear a
disciplina em respeito mútuo"), governo ("aumentar os
salários dos profissionais"), mídia ("repensar a quantidade de
violência veiculada"), anunciantes ("parar de encorajar a
sexualidade precoce e a bebida
em excesso") e a sociedade como um todo ("ter uma atitude
mais positiva em relação às
crianças").
"A educação para a vida tem
que ser como uma piscina.
Quando a criança entra, é na
parte rasa, com ajuda. Mas o
objetivo é ensiná-la a nadar, para ir sozinha para a parte funda", afirmou à Folha Bob Reitemeier, diretor-executivo da
Children's Society, entidade
que encomendou o estudo.
As críticas ao consumismo,
aos efeitos negativos de avanços tecnológicos e à mudança
do perfil dos pais, com cada vez
mais casais em que os dois trabalham fora, pode levar à ideia
de que o estudo se bate contra
algo inexorável.
"Não achamos que isso seja
reversível, mas não quer dizer
que não possamos lidar com
essas questões", diz Reitemeier.
"Podemos pensar em meios
de combater os efeitos negativos. Quanto mais entendemos
onde estamos, mais podemos
alterar nosso comportamento
para atenuar os impactos dessas mudanças. Temos de nos
distanciar dessa atitude, a de
que essas mudanças irão acontecer de qualquer jeito e não há
nada que possamos fazer", afirma Dunn.
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