São Paulo, domingo, 22 de abril de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

+ Autores

O presidente Malasartes

Filósofo critica governo e oposição pelo conformismo com a prática política insatisfatória no Brasil

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI
COLUNISTA DA FOLHA

Que imagens do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a população tem delineado, que o colocam como um dos mais populares presidentes da história? Essa pergunta só pode ser respondia mediante análise científica, mas, como ela também será qualitativa, convém que cada um de nós desde já exprima sua opinião.
Pedro Malasartes é figura folclórica, personagem do jeitinho e do quebra-galho, que, sempre quando possível, faz suas artes em benefício próprio.
Não pode ser mais popular, porque todos nós encontramos nele um lado com o qual nos identificamos. Popularidade, contudo, que não guia, não abre horizontes, mas serve para quem se contenta em sobreviver com as casquinhas do grande banquete da República.
Por certo o presidente aparece como pai dos ricos e dos muito ricos, mas é visto sobretudo como protetor daqueles que permanecem à margem da sociedade de consumo e agora passam a receber algumas migalhas e promessas de um mundo melhor, sem que se lhes explique e se planeje como isso vai ser feito.
Essa alegre incúria não retrata um lado doentio de um povo que já foi caracterizado como cordial?
De modo nenhum estou insinuando que o povo é ruim porque vota em Lula, mas apenas constatando que a ausência de uma política esclarecedora, do governo e da oposição, termina informando mal sobre a eficácia e os limites da política.
No auge da última campanha, lá no largo São Bento [em SP], um colega e eu discutíamos as eleições. Então fomos atropelados por uma frase de um jovem que nos observava: "Lula é "nóis'".
Essa identificação não se processa pelo lado malandro de cada um, a necessidade de resolver pequenos problemas cotidianos sem gastar muito tempo e energia para verificar se, em muitos casos, as pequenas não encobrem as grandes questões?
Desse modo, o lado grande se apequena.

Jeitinho
É interessante observar como essa identificação pode corromper a representação política. Se a grande maioria da população considera este governo ótimo ou bom, continua tendo consciência de que nem tudo vai tão bem quanto parece, que as perspectivas de novos empregos não são boas, que piorou o atendimento da rede de saúde pública e assim por diante.
Mas espera que o presidente Malasartes haverá de dar conta disso, com seu jeitinho, com sua capacidade de embrulhar os adversários, com a esperteza daquele que sabe se virar na vida, que se improvisa sem parar.
Se assim fosse, não geraria uma vontade geral, nem mesmo vontade da maioria, pois esta se formaria sem vontade, como resíduo solto de fiapos de esperança, na medida em que um demiurgo espertíssimo seria capaz de moldá-la de seu ponto de vista. Portanto, uma representação monárquica montada num circo.
Além do mais, o atual governo não se entende e, assim, não logra agir como um todo, dar um passo adiante, implementar seus planos com eficácia, porque cada ministério, cada secretaria espera ser coordenada pelo ato inaugural de um presidente que retira o dia seguinte do chapéu.
Quem afirma todos os dias "amanhã vou visitá-lo" e não cumpre sua promessa repete sempre a mesma frase, mas altera seu sentido porque as promessas não cumpridas pesam sobre o novo enunciado.
Eu mesmo não estou dizendo que ali e acolá não haja avanços, que nada tenha acontecido.
No final das contas, há 12 anos que basicamente se segue a mesma política econômica, o que é bom para o sr. mercado. Não há dúvida de que num governo nem tudo cresce no mesmo ritmo, mas não é necessário que uns setores cresçam e outros rodem por água abaixo.
Fiquei surpreso com a última fotografia do ministério reunido -enorme ovo furado na base, tendo na ponta instalado o senhor presidente da República, cercado de ambos os lados por uma tropa de ministros das mais variadas ideologias e procedências.

Decisões adiadas
Não é para que se suspeite de que, não sendo possível coordenar tanta diversidade, a desordem sirva para dar seqüência ao último leilão que serviu para alinhavar a base aliada?
Aliás, essa dúvida tem suas razões de ser quando se passam em revista um a um os escandalosos casos de assalto aos fundos públicos que até agora continuam impunes.
O presidente não impõe unidade administrativa e ideológica às atividades do governo, e cada ministro segue seus próprios caminhos, para o bem ou para o mal.
Enquanto isso, decisões cruciais ficam adiadas, como reformar profundamente o sistema educacional, planificar maciços investimentos em infra-estrutura, regulamentar o que é público e o que é privado nos projetos de desenvolvimento, planejar a exploração e comércio da energia e assim por diante.
Este é um governo sem perspectiva de futuro, embora com enormes chances de perdurar por muito tempo.
Isso porque todos nós, da oposição e do governo, estamos metidos no mesmo jogo, aceitamos suas regras sem resistência e não pomos efetivamente em xeque nem mesmo esse tipo de crescimento medíocre que nos coloca na rabeira dos países em desenvolvimento.
Nunca fomos tão desagregados, ignorantes do que se passa em volta. Estamos nos contentando em sermos medianos, já que nossos maiores representantes parecem apenas engraçados. E digo todos nós, pois quero frisar que a oposição também entrou nessa ciranda de encobrir mediante um jogo de imagens uma carência de poder que impede ir além do ramerrão cotidiano.
É o momento de colocar a questão muito simples: é este o país que queremos? Se não, o que é preciso mudar de modo efetivo e planejado?


JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI é professor emérito da USP e coordenador da área de filosofia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Escreve regularmente na seção "Autores".


Texto Anterior: Dercy responde às perguntas das atrizes
Próximo Texto: + Livros: O imperador do lápis vermelho
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.