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RELATO DE UM NOVO MUNDO
QUASE 70 ANOS DEPOIS DO CONTATO COM LÉVI-STRAUSS, EM MATO GROSSO,
OS NAMBIQUARAS CONTINUAM MARCADOS PELA ESCASSEZ MATERIAL, CONSOMEM
AÇÚCAR EM GRANDE QUANTIDADE E DEPENDEM DE APOSENTADORIAS RURAIS,
MAS DIZEM SE ORGULHAR DA "MAIORIA" DE SUA CULTURA, QUE PERMANECE
DA REDAÇÃO
Sinceramente, penso que a expedição marcará época." Em
carta de 1938 a Mário de Andrade, Claude
Lévi-Strauss antecipava, a quente, o
impacto que a estada de quatro anos
no Brasil, entre 35 e 39, e as temporadas com grupos indígenas teriam sobre sua formação, o futuro de seu
pensamento e o da antropologia.
O relato do período -mistura de
etnografia, ensaio, por vezes delírio,
texto científico e autobiografia-
aparece em 1955. "Tristes Trópicos"
faz 50 anos unindo as pontas do registro de uma antropologia pré-estruturalista com a fonte de inspiração, hoje, para antropólogos -digamos- pós-estruturalistas.
É também surpreendente a atualidade de comentários mais prosaicos.
No Rio, "a rua não é mais apenas um
lugar por onde se passa; é um local
onde se fica". Em São Paulo, ele encontra na praça da Sé uma espécie de
síntese da cidade e do país, "a meio
caminho entre o canteiro de obras e a
ruína".
A Folha refez parte do trajeto do
antropólogo, indo ao encontro de índios
nambiquaras no oeste de Mato Grosso. É neles que o francês acha finalmente a "sociedade reduzida à sua
expressão mais simples" que desde o
princípio procurava. Limite mínimo
da estrutura social e política, nus e
praticamente desprovidos de bens
materiais, os nambiquaras eram o
máximo de alteridade a que o antropólogo poderia almejar -ao ponto
de crer que poderiam ser vistos, por
um observador inadvertido, como a
"infância da humanidade".
O relato do encontro -que Lévi-Strauss considera ao mesmo tempo
"decepcionante" e "lucrativo" [leia
entrevista na pág. 6]- alimenta ainda hoje estudos de ponta na disciplina em todo o mundo. Sua liderança
política frágil, descrita por Lévi-Strauss, influenciou trabalhos de antropologia política. As relações de parentesco entre os nambiquaras inspirariam a teoria estruturalista do francês -e sua crítica posterior.
"Ameaçados" pela penúria na obra
de Lévi-Strauss, os nambiquaras ainda vivem sob escassez material, mas
parecem, com orgulho, querer desmentir o antropólogo.
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