São Paulo, domingo, 22 de maio de 2005

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+ sociedade

Estudo lançado na França aponta a dificuldade do Estado em assumir neutralidade em questões sexuais

Um direito perverso

DO "LE MONDE"

Mestre de conferências na Universidade de Paris 10/Nanterre, Daniel Borrillo se especializou no estudo das relações entre direito e sexualidade. Borrillo acaba de publicar na França uma obra coletiva (co-dirigida com a jurista Danièle Lochak) intitulada "La Liberté Sexuelle" [A Liberdade Sexual, Presses Universitaires de France, 238 págs., 22 euros -R$ 69].

 

Pergunta - Na medida em que a moral tradicional declinou, a liberdade sexual foi reconhecida como uma liberdade em si. Mas ela continua "enquadrada e precária" (Lochak), para quem "a regra jurídica tem dificuldade para livrar-se das considerações morais". O que isso quer dizer?
Daniel Borrillo -
Se a proteção da liberdade sexual continua problemática é porque uma forma de moral (que não diz seu nome) assume muitas vezes o lugar do direito. A noção de dignidade humana, utilizada para restringir a liberdade sexual, manifesta melhor que qualquer outra o imperativo moral transcendental que se impõe aos direitos subjetivos e às liberdades individuais.
Além disso, a hesitação a invocar abertamente a proteção da moral tradicional faz recorrer a outros motivos socialmente mais aceitáveis, como a proteção dos fracos ou a dignidade das mulheres. Mas o resultado continua sendo o mesmo: suprimir a liberdade.

Pergunta - O senhor afirma que, em termos de liberdade sexual, atravessamos "um período de crise". O que entende por isso?
Borrillo -
Esse problema é geral. Em nome da segurança, o Estado usa e abusa do direito penal. A criminalidade sexual é tratada no âmbito de um regime de exceção mais próximo do combate ao terrorismo que dos delitos do direito comum. Aliás, é paradoxal que a idade da responsabilidade penal não pare de diminuir, a ponto de poder colocar na prisão uma criança de 13 anos, enquanto a maioridade sexual não pára de aumentar, passando de 13 para 15 anos ou 18, se a relação sexual ocorrer com uma pessoa que tem autoridade sobre o menor.
Mas o Estado também quer nos proteger de nós mesmos, e essa forma de paternalismo é um sintoma. Em nome de nossa própria dignidade ou da igualdade para as mulheres, uma elite estatizante se arroga o direito de proibir certas práticas (prostituição, sadomasoquismo). Ora, se a igualdade sempre suprime um pouco a liberdade, é sob a condição de estabelecer claramente o estatuto dos temas suscetíveis de produzir uma situação de assimetria.


A crimina-lidade sexual recebe um tratamento próximo do combate ao terrorismo

Com efeito, se são as mulheres heterossexuais que se encontram muitas vezes colocadas em situação de inferioridade, o que se deveria limitar não é tanto a liberdade sexual de modo indistinto, mas a dos homens heterossexuais em particular.
Utilizar o argumento da dominação masculina para cercear todas as formas de liberdade sexual me parece, portanto, abusivo. Sem fazer essa distinção fundamental, certas feministas tornaram-se aliadas objetivas dos conservadores.

Pergunta - A partir dos exemplos da prostituição e do sadomasoquismo, o sr. indica a "enorme dificuldade para assumir o princípio da neutralidade ética do Estado em assuntos sexuais".
Borrillo -
Diferentemente do Estado paternalista, o Estado democrático renuncia a dizer o que é bom e se limita a enunciar o que é justo nas relações humanas. Para tomar o exemplo da prostituição, eu teria preferido que buscassem combater seus efeitos negativos (como a exploração econômica), mais que sua existência como tal.
O atual regime de repressão, além de limitar a liberdade das pessoas prostituídas, também aumenta sua precariedade econômica. Ora, o direito não pode estabelecer que as relações sexuais gratuitas são melhores que as relações tarifadas.
Do mesmo modo, não pode decidir que as imagens românticas valem mais que as imagens cruas ou que, entre adultos, os jogos sadomasoquistas devem se limitar à vida privada. Cada um deve poder dar o sentido que quiser a sua vida sexual. Infelizmente, essas práticas ainda podem levar pessoas à prisão.


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

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