São Paulo, domingo, 22 de maio de 2005

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Cartas a Mário de Andrade

"As condições materiais são duras"

" Corumbá, 15 de janeiro de 1936

Meu caro senhor,
gostaria de manter o Departamento de Cultura mais regularmente a par de nossa viagem! Mas o senhor me conhece bem demais para que minha preguiça possa surpreendê-lo. Vive-se uma existência tão diferente e, cabe dizer, encontram-se tantas dificuldades diárias que a correspondência passa naturalmente ao segundo plano, sem nem sequer nos darmos conta do fato. Espero que o senhor possa me desculpar.
Acabamos de terminar a primeira parte de nosso trabalho: durante um mês e meio, circulamos entre os diversos grupos sobreviventes de índios cadiueus. Esse estudo concluiu-se com uma permanência de quinze dias na última aldeia ainda próspera: Nalike. Ali, todas as mulheres pintam o rosto com desenhos de um refinamento prodigioso e fazem uma cerâmica bela e sóbria, da qual recolhi numerosos exemplares. E subsistem ainda relatos interessantes sobre as lendas e a organização social do passado.
As condições materiais são evidentemente duras: no Pantanal, o calor é muitas vezes arrasador, o que não nos impediu de tremer de frio em algumas noites de Nalike, e os mosquitos são exatamente como os imaginávamos. Mas há tantos objetos de interesse e de admiração que tudo o mais assume importância bem restrita. Partiremos em seguida rumo ao alto São Lourenço, na direção dos bororos. Será o fim de nossa viagem.
Receba, meu caro senhor, nossos sentimentos de devoção e simpatia,
Claude Lévi-Strauss


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