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Cartas a Mário de Andrade
"As condições materiais são duras""
Corumbá, 15 de janeiro de 1936
Meu caro senhor,
gostaria de manter o Departamento de Cultura mais regularmente a par de
nossa viagem! Mas o senhor me conhece bem demais para que minha preguiça possa surpreendê-lo. Vive-se uma existência tão diferente e, cabe dizer, encontram-se tantas dificuldades diárias que a correspondência passa naturalmente ao segundo plano, sem nem sequer nos darmos conta do fato. Espero
que o senhor possa me desculpar.
Acabamos de terminar a primeira parte de nosso trabalho: durante um mês
e meio, circulamos entre os diversos grupos sobreviventes de índios cadiueus.
Esse estudo concluiu-se com uma permanência de quinze dias na última aldeia ainda próspera: Nalike. Ali, todas as mulheres pintam o rosto com desenhos de um refinamento prodigioso e fazem uma cerâmica bela e sóbria, da
qual recolhi numerosos exemplares. E subsistem ainda relatos interessantes
sobre as lendas e a organização social do passado.
As condições materiais são evidentemente duras: no Pantanal, o calor é
muitas vezes arrasador, o que não nos impediu de tremer de frio em algumas
noites de Nalike, e os mosquitos são exatamente como os imaginávamos. Mas
há tantos objetos de interesse e de admiração que tudo o mais assume importância bem restrita. Partiremos em seguida rumo ao alto São Lourenço, na direção dos bororos. Será o fim de nossa viagem.
Receba, meu caro senhor, nossos sentimentos de devoção e simpatia,
Claude Lévi-Strauss
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