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PONTO DE FUGA
Tiroteio
A resposta não é tão evidente quanto parece. "Tiros
em Columbine" quer saber a causa de tantas mortes
provocadas por armas de fogo nos Estados Unidos, um
triste recorde. A história norte-americana não é mais
violenta do que a de qualquer outro país. No mundo inteiro, um público ávido acorre a filmes em que a crueldade é o espetáculo. No Canadá, onde a caça é esporte
nacional, o número de armas por habitante é também
elevado. Nenhuma dessas razões parece satisfatória. O
filme insinua uma resposta inesperada: há, nos EUA,
uma cultura do medo, paranóica, assustada. As mortes
por balas domésticas são consequência desse pavor.
O filme de Michael Moore é inteligente. Talvez um
pouco demais. Transparece esperteza nas imagens que
lutam por um bom combate, em clara estratégia. Não só
porque a sequência inicial, de um banco oferecendo rifles a quem abre uma conta, tenha sido manipulada.
Documentários são tão verdadeiros, ou tão mentirosos,
quanto a ficção. Ocorre, no entanto, que a estratégia é
inimiga da sinceridade. Na cena de confronto com
Charlton Heston, que milita pelo direito ao armamento,
o retrato de uma garotinha baleada na escola por um
colega de 6 ou 7 anos torna-se uma isca sentimental insuportável. Em que pesem suas boas convicções, o filme
tem alvo certeiro: o público anti-Bush, anti-"americano", que ele sabe adular. Tanto melhor, talvez. Hábil,
confirma seu diretor num papel contestatário bem
construído.
Aparências - "Tiros em Columbine" traz uma dúvida
ética. Vale sacrificar a sinceridade dos meios por uma
causa? São graves as questões do filme: armamento pessoal, paranóia coletiva, mortes de inocentes. A denúncia deveria evitar qualquer oportunismo, mesmo o que
vem de leve, disfarçado, de contrabando, por assim dizer. Existe um paralelismo pertinente. A fome é abominável e deve ser combatida. Mas até que ponto um slogan como "fome zero" recobre, de fato, seu objetivo?
Até que ponto ele não é, também, ou sobretudo, marketing político? O marketing parece ter se tornado a essência da política, afastando, como ingênua, a ética da sinceridade.
O presidente da República associou o combate contra
a fome à venda internacional de armas. Propôs taxar
um negócio infame em beneficio dos famélicos da terra.
Luminoso achado. Basta porém uma pergunta incômoda e as perversões afloram: uma vez o comércio de armas submetido a um imposto contra a fome, deve-se
desejar que ele prospere? A lógica é indiscutível: quanto
mais guerras, menos desnutridos. Esse comércio se legitima, participando de luta tão nobre: ao comprar seu
calibre 32, você estará fazendo diminuir a fome no
mundo. "Tiros em Columbine", pelo menos, não sugere que brote, da venda de rifles e pistolas, algum subsídio para o cinema independente. O que já é um bom
ponto para o filme.
Marco - No dia 7 de julho de 1973, 8.600 pessoas se
amontoavam no antigo teatro romano de Orange, cidadezinha da Provença. O festival de óperas apresentava
ali uma única récita de "Tristão e Isolda". Foi algo assim
como um milagre. Os protagonistas eram Jon Vickers e
Birgit Nilsson, dirigidos por Karl Böhm. A concepção
cênica de Nikolaüs Lehnhoff, baseada em intensidades
luminosas, incendiava-se no amor sublimado pela música. Há um CD (selo Rodolphe), de ótimo som, desse
espetáculo. Saiu agora, nas bancas de jornal, o filme, em
DVD (DVD Ópera). A qualidade sonora não é tão boa,
mas o deslumbramento persiste.
Escolha - Vickers e Nilsson, cantores wagnerianos
maiores no pós-guerra, nunca se reuniram em estúdio
para gravar "Tristão", tornando ainda mais precioso o
registro de Orange. Há uma outra gravação mítica,
muito mais antiga, ao vivo, tomada no Covent Garden
em 1937 (EMI). Ela provém, na verdade, de récitas diferentes que misturam dois maestros lendários, Beecham
e Reiner! Mas a unidade permanece e o canto atinge o
apogeu de sua história com Lauritz Melchior e Kirstin
Flagstad em plena maturidade vocal.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br
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