São Paulo, domingo, 22 de junho de 2008

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WANDER MELO MIRANDA

O autor
Difícil escolher entre Machado de Assis e Guimarães Rosa, a rigor incomparáveis em qualquer literatura.
A obra de Machado de Assis, no entanto, destaca-se pela assombrosa atualidade da sua forma, entendida como tradução da realidade social e das relações intersubjetivas para além da circunstância histórica e da tradição literária em que se situa.
O paradoxo que configura os textos machadianos se desdobra em situações narrativas sempre novas diante das expectativas do leitor, tornado personagem de uma história cujo desfecho não sabe nunca como será.
A razão alucinada, a ironia devastadora, a compulsão bibliográfica, tudo em Machado converge para um mal-estar cultural que a linguagem transforma -outro paradoxo- no prazer meio perverso de quem escreve ou lê. Somente por alto, e muito provisoriamente, conseguiremos saber o que na verdade sua obra mobiliza, razão da extensa fortuna crítica que não cessa de propor a si mesma e a nós imprevistas indagações.

A obra
Publicado em 1899, "Dom Casmurro" é um romance excepcional. Retoma a questão do ciúme e do adultério para dar conta de um estado-limite que superpõe relações sentimentais e conflitos de classe.
O tema não é original, como comprovam diferentes alusões a obras e autores no curso do próprio relato. Nada de novo, a não ser um pequeno deslocamento narrativo, que resulta na invenção e investigação de uma inesperada perspectiva.
A escolha de Bentinho como narrador dá ao texto que parece fluir com naturalidade um tom ferozmente desconcertante, vai percebendo pouco a pouco o leitor.
O uso da memória como estratégia retórica de persuasão se revela lacunar e insatisfatório para tornar inquestionável o pretenso triângulo amoroso Bentinho-Capitu-Escobar.
Desajusta-se o foco, e Capitu avulta: personagem "magnífica", nos termos de Graciliano Ramos, pouco dada a arroubos e adjetivos. Instaura-se um espaço de tensão em que o leitor passa de "voyeur" a investigador na e da história.
Cumpre-se a magia do bruxo.


WANDER MELO MIRANDA é professor de literatura na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor de "Folha Explica Graciliano Ramos" (Publifolha).


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