São Paulo, domingo, 22 de junho de 2008

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LEDA TENÓRIO DA MOTTA

O autor
A literatura não é um campeonato. Mas, se, na contramão do politicamente correto e do pós-moderno, considerarmos um centro do centro do cânone para poucos, não há como fugir de Machado.
Nem tanto porque, vivendo ao mesmo tempo dentro e acima de suas próprias condições, aqui neste quintal do mundo, ele viu tudo, como nos ensinaram.
Mas pelas complicações interessantíssimas que temos pela frente quando, deixando a questão do Brasil de lado, entramos para valer na questão da prosa machadiana.
Não se trata só do texto que trava, do discurso-formulário sem centralidade autoral nem foro decisório, do realismo inesperado que tem ainda o capricho de se desrealizar, das qualidades, enfim, desses defeitos.
Van Gogh dizia que não pintava girassóis, mas o amarelo. É a esse segundo grau que a narração machadiana, que tão acintosamente carrega a própria literatura como motivo interno, saindo de dentro do melhor dela como "ex abrupto", já nos remete. E é perto disso que tudo o mais se torna pintura da natureza local.

A obra
Muito do melhor de Machado está em "Quincas Borba". É aí que se deflagra, com o tornar-se Napoleão do herói, uma comédia aberta, que vai muito além dos toques sarcásticos, geralmente referidos ao pessimismo social do escritor, de que nos têm falado seus críticos.
Trata-se de um surto espetacular, que ainda não conseguimos encarar enquanto tal, e com o qual nem "Tutaméia", em que só há chistes delirantes, pode rivalizar. Tanto mais que Machado é o primeiro a saber com que abismos da interioridade do homem "tout court" está mexendo, já que põe nos lábios de Rubião, no momento em que ele enlouquece, um estarrecedor "riso azul claro".
Sejamos sinceros: que neologismo, que achado, que palavra-valise rosiana poderia equiparar-se ao "riso azul claro"?


LEDA TENÓRIO DA MOTTA é professora de comunicação na Pontifícia Universidade Católica (SP), autora de "Sobre a Crítica Literária Brasileira" (ed. Imago).








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