São Paulo, domingo, 22 de junho de 2008

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JOÃO ROBERTO FARIA

O autor
Não gostaria de responder em termos absolutos à pergunta, uma vez que Machado e Guimarães Rosa são grandes escritores, cada um à sua maneira.
No entanto, se é preciso escolher, fico com Machado, mais por uma questão de gosto pessoal do que por uma convicção de que ele seja de fato maior escritor do que Guimarães Rosa.
Machado é o escritor que mais releio; e, a cada releitura, ao prazer da escrita se soma o de vislumbrar novos significados em seus textos, o que é fundamental para quem estuda literatura. A meu ver, nos seus melhores romances e contos há uma percepção da natureza humana em um grau de profundidade que nos faz pensar em Shakespeare.
Ao mesmo tempo, ninguém dissecou os mecanismos sociais da vida brasileira da segunda metade do século 19 como ele, com tanta agudeza. Isso o torna simultaneamente o mais universal e o mais brasileiro dos nossos escritores.

A obra
A obra de Machado que me parece a mais importante -ou pelo menos a de que mais gosto- é "Dom Casmurro", pelo valor intrínseco da alta realização literária conseguida pelo escritor. Vejo nesse romance uma síntese perfeita do nacional com o universal. No diálogo com o "Otelo", de Shakespeare, Machado nos dá a chave para a compreensão do romance como um romance sobre o ciúme -um estudo da natureza humana-, não sobre o adultério.
No enredo e na criação das personagens, bem como nas tensões entre elas, desenha-se o Brasil ainda aprisionado pelas estruturas patriarcais e escravistas do século 19.
Acrescente-se outra qualidade notável: a criação de um narrador "indigno de confiança", hábil advogado de acusação que destila veneno no coração de seus leitores para que se juntem a ele na condenação da suposta mulher adúltera.


JOÃO ROBERTO FARIA é professor de literatura brasileira na USP, organizador de "Antologia do Teatro Realista" (ed. Martins Fontes) e "Dicionário do Teatro Brasileiro" (ed. Perspectiva).


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