São Paulo, domingo, 22 de junho de 2008

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ALCIDES VILLAÇA

O autor
Como a pergunta não esclarece se o padrão de medida é a extensão ou o volume de água, fiquemos com esses dois rios imensos. O emparelhamento dos autores é útil porque permite acentuar contraposições que os fazem ainda mais necessários.
Por exemplo: Machado de Assis é um mestre no traçado nítido das situações-limite, das experiências agudas do cotidiano pessoal e público.
Analisa nelas a construção das justificativas que damos para proteger um interesse verdadeiro; mas a distinção de valor entre a justificativa e a verdade correrá por nossa conta, porque ele as embaralha, numa política de provocação que pede resposta.
E Guimarães Rosa finca raízes na construção de uma experiência de linguagem que se converte em experiência do mundo, potenciada pelo mito e pela poesia.
Nossos gestos seriam frutos e projeções de uma ordem simbólica, afetiva e ecumênica, identificada como origem e destino: dois extremos de um caminho que nos cabe atravessar.
Da terceira margem, entre esses rios, olho para ambos os lados.

A obra
De um lado está "Dom Casmurro" -romance que é a totalização da história pessoal e da pessoa do narrador. O estilo, auto-suficiente e auto-referido, sabe produzir lacunas e encaminhar o tema do engano, ao qual o narrador se liga como vítima, podendo ser também o agente. De todo modo, o engano subsiste, cabendo ao leitor ajuizá-lo como fatalidade universal, assimetria dos desejos, malícia de classe ou desilusão ressentida -se não se dispuser a enfrentar a complexa somatória disso tudo. Do outro lado está "Grande Sertão: Veredas". Quando o leitor vence o desafio de uma reeducação da leitura, ingressa numa linguagem que se faz espetáculo para atender à ordem de grandeza em que o narrador projeta o mundo.
O relato, aqui, é totalização ambiciosa, porque não renuncia a nenhum gênero e não admite fratura entre o vivido e o imaginado. Eixo de unificação, o sertão é matéria histórica aberta, intrincada e rude, que o sujeito deve viver para narrar, narrar para se conhecer.


ALCIDES VILLAÇA é professor de literatura brasileira na USP, autor de "Passos de Drummond" (ed. Cosac Naify).


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