São Paulo, domingo, 22 de junho de 2008

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WILLI BOLLE

O autor
Machado de Assis é o maior escritor brasileiro do século 19, assim como Guimarães Rosa é o maior do século 20. Ora, o que se ganharia se colocássemos um deles no pedestal em detrimento do outro?
Existe uma questão que transcende a do "maior escritor": é o projeto de construção da literatura brasileira. Isso é evidenciado por uma feliz coincidência de datas:
no mesmo ano em que morreu Machado, nasceu Rosa; um passou para o outro o bastão desse projeto coletivo.
Ele consiste em corresponder a um desafio histórico e político-cultural, em que têm importância também os escritores chamados "menores":
apresentar a realidade do país da forma mais verdadeira e mais exata possível, através do "medium" da linguagem.
Os escritores contribuem decisivamente para isso na medida em que vigiam o uso das palavras e do discurso na sociedade e colaboram para o refinamento da língua que todos nós usamos no dia-a-dia.
Podemos aprender essa arte igualmente com ambos os mestres: Machado de Assis e Guimarães Rosa.

A obra
Não posso deixar de destacar aqui a obra que me motivou a vir para o Brasil, em 1966: "Grande Sertão: Veredas".
Narrada para um interlocutor urbano, é a história de vida do jagunço Riobaldo e de sua paixão por Diadorim: um romance de formação da alma de um indivíduo e um retrato do país. A travessia do sertão é um navegar dentro do desconhecido, tentativa de decifrar a própria vida: o amor, o medo, a coragem.
Por meio da posição social ambígua do protagonista -filho de uma pobre sertaneja e de um latifundiário- e de seu perfil de "jagunço letrado", o romancista retrata uma nação dilacerada, complementando os principais ensaios de interpretação do Brasil: desde o livro matricial de Euclydes da Cunha até os estudos de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado.
A narração é a de um homem atormentado pela culpa de ter feito o pacto com o Diabo, com que se coloca a questão do sentido da vida e da opção entre o mal e o bem -envolvendo inclusive a linguagem, que se revela como "luciférica".


WILLI BOLLE é professor de literatura na USP e autor de "grandesertão.br - O Romance de Formação do Brasil" (Duas Cidades/editora 34).






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