São Paulo, domingo, 22 de junho de 2008

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RAIMUNDO CARRERO

O autor
A escolha torna-se difícil, se não impossível, considerando-se as peculiaridades das obras e do tempo. Machado de Assis é, com certeza, o fundador da prosa brasileira. Escreveu numa época em que a literatura brasileira apenas copiava a portuguesa, sem autonomia, com uma estrutura conservadora, lírica e linear, de costumes, e que ele desmontou.
Avançou muito na montagem da história, a exemplo de "O Machete", "Um Homem Célebre" e "A Causa Secreta", por exemplo, inserindo aí a digressão e a ironia, barrando a estrutura lógica que se preocupava apenas com o documento social, esquecendo que o elemento artístico tem compromisso com a estética. Por isso abriu caminhos para escritores revolucionários à semelhança de Guimarães Rosa, no uso, também, das aliterações e rimas internas, arcaísmos e neologismos, elevando a digressão à melhor qualidade artística.
Por essa renovação e por essa antecipação, Machado é o fundador de uma prosa verdadeiramente brasileira, continuada por Guimarães.

A obra
"Dom Casmurro", o romance mais sofisticado da literatura brasileira, é a obra principal de Machado de Assis.
Ele usou estratégias para seduzir o leitor a partir do nome do romance, que desvia toda a carga emocional de Capitu para jogá-la em Dom Casmurro.
Na verdade, Machado escreveu uma versão do "Otelo", a partir do ponto de vista de Iago -o intrigante personagem da peça teatral de Shakespeare-, e não um romance convencional.
O Iago da peça tem como tarefa intrigar Otelo. O Iago do romance, Bentinho Santiago, tem como objetivo intrigar o leitor. Iago convence Otelo de que Desdêmona o trai, e Bentinho convence o leitor de que é traído por Capitu. São dois os narradores: oculto e onisciente.
Além do mais, Casmurro não existe fisicamente na história.
Desaparece no primeiro capítulo -"Casmurro não está aqui no sentido que lhe dão"- para voltar no capítulo 148 -"Quando saí do quarto, tomei ares de pai, um pai entre manso e crespo, metade Dom Casmurro".
A outra metade era Bentinho, outro narrador.


RAIMUNDO CARRERO é escritor, autor de "O Amor Não Tem Bons Sentimentos" e "O Delicado Abismo da Loucura" (ed. Iluminuras).


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